Quando meu pai Inácio avisou aos amigos que se mudaria de Pilar para comerciar em Itabaiana, José Augusto de Brito, casado com tia Emília, engenhoso escritor sobre coisas, pessoas e valores da cultura pilarense, caiu às gargalhadas, lorotando que seu cunhado "tinha achado uma botija no quintal de casa"; e assim iria melhorar seu negócio numa cidade maior. Era um quintal extenso, onde caberiam muitas botijas, alongava-se da cozinha às margens do Rio Paraíba. À noite, aquele sítio, onde tanto brincava e colhia mangas e laranjas, começou a me causar medo, virou território de almas que vigiavam suas riquezas enterradas. Amedrontado, jamais perguntei ao meu pai se a história do espirituoso Zé Augusto era verdade; temia a resposta. Melhor era torcer que tudo fosse invencionice, brincadeira de adultos. Meu pai, na roda de bate-papo com amigos, também ria e repetia: "Mentira dele"! Embora acreditasse em botija, dando-nos a entender que moedas guardadas pelos espíritos dão mais azar do que sorte. Ah! se corrupto, depois do furto, caísse em desgraça... Ficava atento a todas as conversas; sobre mulheres esguias, vestidas de longos brancos e esvoaçantes, de cabelos compridos, a caminhar de pés descalços, na madrugada, por perto da botija. Contavam também que alma não enterra botija, tampouco gosta de dinheiro, só os vivos, que escondem moedas protegendo-as dos ladrões. Depois da morte, lá ficam essas riquezas sem dono, heranças do mal-assombro. Li depois ladrões escondendo o roubo; piratas enterrando baús de ouro em praias de ilhas desertas; esconderijos só reencontrados com guia ou "mapa do tesouro". Hoje, "pirata" tem outro nome: corrupto que surrupia o erário público e, às furtadelas, comete dois crimes: sonega imposto em paraísos fiscais e esconde o furto em bancos suíços...
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