Se já era de uma tristeza infinita o olho fatalista do boi, imaginem agora quando vê suas pastagens ganharem o estatuto de terra ociosa, ele que só sabe comer capim e que só abandona essa dieta frugal se o forçarem a isso. Até compreende o açodamento dos sem-terra, a luta que vêm travando pelo país adentro contra o latifúndio improdutivo, o jogo de avanços e recuos por parte de um governo que anda acendendo muitas velas para muitos senhores, mas pede apenas, a todos os implicados na questão, que voltem aos bancos escolares e consultem o velho compêndio: o boi é um herbívoro ruminante, só isso. As conseqüências que uma tal classificação possam acarretar é só com o boi e a gramínea; a gramínea sabe perfeitamente o que o duplo estômago do boi vai fazer com ela e não se incomoda, mesmo porque tem consciência de que em determinado momento, como num sonho alquímico, surgirá como carne vermelha; depois disso, os homens que tenham bastante vergonha na cara para que não falte carne vermelha na casa de ninguém. A única coisa que não interessa ao boi e à gramínea são os capangas dos latifundiários e os teóricos do MST, estes com a mania de que o capim é improdutivo, e aqueles com o vezo oligárquico de que trabalhador rural, longe das suas garras, é bandido. Acho que esses caras ainda não entenderam muito bem: o boi no pasto, com toda essa pinta rousseauniana de passeador solitário e esse olho que chega a doer de tanta tristeza, sintetiza a celulose em aminoácidos essenciais - alguém tem idéia de quantas horas Deus ficou sem dormir só para resolver essa equação? Pois é, o boi também não tem, mas vai fazendo o que sabe com toda a generosidade. Na Europa, onde o boi já não pode contar com todo esse mundão de verde que começa a ficar ameaçado entre nós, usam-se o confinamento panóptico e o arraçoamento artificial, avacalhando a carne vermelha. E ainda queriam que a vaca não ficasse louca... Lá fora, chegam a chamar o nosso herói de boi "verde"; o nosso boi dispensa - sabe que não é verde, verde é a gramínea, e os dois só querem mesmo é cumprir o seu papel abençoado, dando de comer ao país e ao resto do mundo. Não dá para os pecuaristas, o governo e o MST deixarem de amolar o boi? Ainda ontem, um desses bois que já andou espiando muita cartilha dos sem-terra e ouvindo muita conversa para boi dormir entre os pretensos donos da terra comentava comigo: "Dizem que o bom cabrito não berra, mas eu não sou cabrito. Sou é muito boi, e vou botar a boca no mundo."
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