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Opinião
25/11/2015 - 07h08
`Mar de lama´ e a responsabilidade criminal
Euro Bento Maciel Filho
 

O país ainda está chocado diante do “mar de lama” que invadiu uma pequena comunidade próxima à cidade de Mariana (MG) e que, ao depois, se espalhou pelos rios, córregos e riachos de toda uma região, até desaguar no Oceano Atlântico, já na costa capixaba. Foi, sem dúvida, um tsunami de terra, lama e dejetos, que atingiu a vida de milhares de pessoas, bem como toda a biodiversidade daquela região.

Muito provavelmente, estamos diante do maior desastre ambiental já ocorrido no Brasil.

É claro que dramas ambientais como esse já ocorreram em outros locais do mundo, ora decorrentes de falhas humanas ora como consequências de causas naturais. Em todos os casos, invariavelmente, a primeira preocupação é, sempre, a de resgatar as vítimas e, claro, dar-lhes conforto e assistência.

Num segundo momento, somente após o atendimento dado às pessoas atingidas, é que o Poder Público começa a apurar os fatos e os seus responsáveis.

E é aí, então, que se faz necessário entender que a responsabilização das pessoas físicas e/ou jurídicas envolvidas deve ser analisada sob um duplo enfoque, quais sejam, o administrativo/civil e o penal.

Sob o enfoque administrativo/civil, é bom dizer que os responsáveis serão punidos independentemente da comprovação de culpa, ou seja, incidirá a chamada “responsabilidade objetiva”; tudo conforme expressamente previsto no artigo 14, §1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) e, também, no artigo 927, do Código Civil. Por outros termos, segundo a responsabilidade objetiva, sempre que, por conta do risco inerente à própria atividade, ocorrer um dano, a caraterização da responsabilidade independe de demonstração de culpa do agente causador do dano.

Sendo assim, a pessoa jurídica envolvida no desastre de Mariana deverá arcar, forçosamente, não só com as indenizações que deverão ser pagas às vítimas, aos Estados e aos Municípios prejudicados, como também com todos os gastos necessários para a efetiva recuperação ambiental da região atingida. Seguramente, essas indenizações serão pagas, ainda que demorem um pouco.

Entretanto, analisando-se a mesma questão sob a ótica da responsabilidade criminal, que possui preceitos e princípios próprios, a conclusão quanto à responsabilização penal dos agentes responsáveis não é algo tão simples.

Isso porque, sob o viés criminal, a punição segue uma lógica bem diversa, já que a teoria da responsabilidade objetiva – perfeitamente válida na esfera administrativa – é incompatível com o Direito Penal.

Com efeito, na seara criminal, não se pode punir sem que fique realmente comprovada a “culpa” do(s) agente(s) nos fatos. Em termos mais claros, somente aquele que contribuiu, de qualquer forma, para o resultado, dolosa ou culposamente, é que poderá ser por ele penalmente responsabilizado.

Até bem por isso, é importante esclarecer, desde logo, que, no caso específico do desastre ambiental de Mariana, o fato de a barragem ter arrebentado não gera, necessariamente, a condenação criminal e a aplicação de penas ao presidente da empresa ou a todos os membros da sua diretoria.

A bem da verdade, analisando-se a questão à luz da Lei 9.605/98 – que trata dos crimes ambientais – é possível enxergar a possível prática de diversos crimes, já que a onda de lama não só assolou uma comunidade inteira, como também impactou fauna, flora e poluiu o meio ambiente de toda uma região. Além disso, como na igreja da localidade atingida existiam imagens sacras até então protegidas por lei, que se perderam com a lama, é possível que os agentes respondam por delitos praticados contra o patrimônio cultural.

Contudo, de forma a frear um pouco o “animus punitivo” que esse assunto vem gerando na sociedade, é importante acrescentar que, salvo alguma grande reviravolta no curso das investigações, os crimes ambientais porventura ocorrentes seriam culposos, ou seja, sem a intenção direta de praticá-los e sem a assunção de risco quanto aos resultados. Em casos que tais, as penas tendem a ser mais brandas, o que afastaria a prisão.

De toda forma, independentemente de quais venham a ser os crimes apurados, certo é que será somente após a instauração de inquéritos policiais – tanto pela Polícia Federal, pois há crimes de interesse da União, quanto pela Polícia Civil dos Estados – que se poderá apontar, efetivamente, quem são os responsáveis.

Para tanto, será preciso investigar as causas do acidente, o que demandará perícias, estudo das responsabilidades dos diversos funcionários envolvidos na operação, análise de documentos, exame da atuação dos Órgãos de controle do Poder Público etc. Enfim, para que se identifiquem, de fato, os verdadeiros responsáveis pelos crimes ambientais, é preciso passar, primeiramente, por um minucioso trabalho de investigação.

Contudo, é bom acrescentar que, especificamente no que diz respeito à punição dos crimes ambientais, a Lei 9605/98 trouxe para o nosso Direito, no seu artigo 3º (elaborado com esteio no §3º, do artigo 225, da CF/88), a possibilidade de se aplicar sanções penais também às pessoas jurídicas. Ou seja, não só as pessoas físicas, mas também a própria empresa poderá ser punida, criminalmente, pela prática de crimes ambientais.

Tal tema gera enorme controvérsia entre os estudiosos do Direito Penal, haja vista que, para uns, a punição da pessoa jurídica só se apresenta possível nas searas administrativa e cível, pois a empresa não pode cometer crimes (teoria da ficção: societas delinquere non potest), e, para outros, por conta da evolução da nossa sociedade, a pessoa jurídica pode e deve ser entendida como um ente autônomo, com vontade própria e independente daquela dos seus sócios, o que justificaria a sua punição pela prática de crimes (teoria da realidade – societas delinquere potest).

De toda forma, segundo a legislação vigente, é certo que o legislador pátrio entendeu por bem alargar o âmbito de atuação do Direito Penal para, apenas nos crimes ambientais, permitir a punição das pessoas jurídicas. Ocorre, porém, que a punição da pessoa jurídica não pode se dar da mesma forma que hoje é majoritariamente utilizada para sancionar as pessoas físicas. Ao cabo de contas, não há como “prender” a empresa.

Por isso, então, é que a Lei 9605/98, atenta a essa realidade própria e diferenciada das empresas, foi clara ao dispor que as pessoas jurídicas estão sujeitas às penas de multa, restritivas de direitos (exemplos: suspensão das suas atividades, interdição e proibição de licitar com o poder público) e prestação de serviços à comunidade. Em casos mais graves, ficando demonstrado que a empresa foi constituída ou utilizada para permitir, facilitar ou ocultar a prática de crimes ambientais, poderá ocorrer a liquidação forçada da pessoa jurídica.

Assim, fica claro que, ao menos na seara penal, não é hora de se apontar culpados ou de se exigir a prisão de alguém.

Não se pode perder de vista que uma coisa é debater indenizações, valores e planos de recuperação ambiental, outra, bem diferente, mais criteriosa e que demanda mais tempo, é identificar o(s) culpado(s) e puni-lo(s) segundo os ditames da lei penal pátria, sempre respeitados a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.


Nota do Editor: Euro Bento Maciel Filho é advogado criminalista, mestre em Direto Penal pela PUC-SP e sócio do escritório Euro Filho Advogados Associados.

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