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Crônicas
27/11/2015 - 15h07
O forró de Jaime
Rangel Alves da Costa
 

Com o falecimento de Miltinho, responsável pela preservação e continuidade da tradição forrozeira no sertão sergipano de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, alguns logo sentenciaram o fim do autêntico forró pé de serra como animação costumeira de chinelado e ralabucho. Com efeito, somente Miltinho mantinha a preocupação de não deixar esmorecer o autêntico forró de salão e aquelas raízes tão profundamente fincadas no povo sertanejo de mais idade.

Amainando as preocupações dos antigos forrozeiros, verdadeiros apaixonados pelo compasso suado e o vai-e-vem requebrado, alguns sanfoneiros continuaram puxando o fole no salão de Miltinho. Mas nada mais era como antes. Sem a presença do comandante maior, mesmo forró de casa cheia tinha a mesma animação nem o mesmo contagiamento de antes. Por consequência, os forrós foram se rareando e somente em épocas festivas o salão reabre suas portas.

Logicamente que tudo isso causava um desânimo danado nos apaixonados pelo velho e bom pé de serra. Ademais, era até incompreensível que em pleno sertão o seu habitante mais tradicional de repente se visse apartado da sanfona, do zabumba, do pandeiro, do triângulo, do cantador, do forró como expressão maior. Foi então que o empresário Jaime Mendonça teve a ideia de aproveitar um espaço aberto num seu empreendimento e ali colocar à disposição do forró e dos forrozeiros.

Foi a tábua de salvação forrozeira. A partir de então, todos os sábados, geralmente a partir da boca da noite e se estendendo até dez horas ou mais, a sanfona come solta ao lado do Alto de Tindinha, num espaço adjacente ao Posto Bijota, todo cimentado, seguro, com o frescor da aragem sertaneja, e distando menos de um quilômetro do centro da cidade. E é a coisa mais bonita de se apreciar: a velha guarda sertaneja ali reunida, dançando sem parar, sem pagar um tostão, num fôlego e disposição maiores que o da juventude.

A iniciativa de Jaime – que não somente fornece o espaço como cuida do bem-estar de todos e paga ao tocador e seu grupo - prosperou de tal forma que a fama do forró ultrapassou fronteiras. Todo sábado uma verdadeira procissão de forrozeiros, entre homens e mulheres, chega das redondezas sertanejas e até municípios mais distantes para aproveitar a festança matuta. Quem está na cidade sequer imagina a forrozança animada de logo depois da ponte.

É uma verdadeira romaria. Ônibus são fretados em Canindé exclusivamente para o chinelado bom, veículos de todas as placas estacionam para o “funrufá da moléstia”. Há um carteiro de Nossa Senhora da Glória, rapaz ainda moço, que não perde um só forró. Que chova ou faça sol, e ele marcando presença. E assim muitos outros que veem no Forró de Jaime a oportunidade de reencontrar suas raízes e cultivar suas tradições mais antigas.

Mas o Forró de Jaime só alcançou tal fama e importância pela organização que possui. Jaime fornece o espaço, paga o sanfoneiro, mas quem toma frente para tudo sair a contento é o vereador Aderaldo Caldeira, contando sempre com a ajuda de João e outros da velha guarda cabocla. Segundo o próprio Aderaldo, há também uma preocupação em socializar as oportunidades. Ou seja, não há um só sanfoneiro responsável pela festança, mas dando a cada um a chance de ganhar sua parte. Assim, um sábado é reservado a Olivan, outro sábado a Vera, ou mesmo os dois numa só noite, ou ainda outros tocadores. O próprio Aderaldo de vez em quando puxa o fole com gosto. Sabe mais fazer política, mas ali o dançador quer mesmo é o som do fole roncando.

E quando o fole ronca é um deus nos acuda. Pedro Rosendo puxa uma de lado e sai numa maestria forrozeira de deixar qualquer um de queixo caído. Zé Bina se transforma em menino novo e parece não querer mais parar de dançar. Fernando rodopia pelo salão de fazer voar a saia da companheira. Até Eraldo de Chico Bilato se mostra passinho de ouro naquele encantamento matuto. É coisa verdadeiramente de se admirar. Senhores com oitenta anos e mais num fôlego de espantar. Senhoras já tidas como velhas por muitos e ali numa graciosidade dançadeira e numa afoiteza que só vendo. E o forró correndo solto.

Toda vez que chego ali logo recordo de Miltinho. Todo forró tem a sua feição e a sua memória. E certamente que Jaime mandará levantar uma placa dizendo “Espaço Forrozeiro Miltinho”. Nada mais justo.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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