Em maio de 1977, um mês após haver decretado o fechamento do Congresso Nacional, o presidente Ernesto Geisel concedeu uma entrevista a jornalistas franceses. Inquirido sobre as condições de liberdade política existente no país, Geisel afirmou que no Brasil havia uma "democracia relativa" e que ela não podia ser semelhante às democracias francesa ou inglesa porque os níveis de desenvolvimento social e econômico eram diferentes. O conceito emitido pelo "alemão" colou em sua biografia de modo irreparável e assim permaneceu até hoje. Para ele, democracia era algo relativo e, obviamente, se relativo era, só o podia ser em relação a um absoluto qualquer, no caso a convicção do titular do poder sobre o estágio do desenvolvimento social e econômico da sociedade onde o exerce. Pois eis que coube ao talento do presidente Lula referendar a imprecisa definição emitida pelo penúltimo presidente do regime militar. Indagado sobre a ausência de qualquer referência à democracia na declaração final da Cúpula América do Sul - Países Árabes, Lula afirmou que seria "falta de democracia" tentar definir o conceito do termo em uma reunião plural como a realizada na capital federal, acrescentando que o documento continha o que era possível. "Ele é um resultado do nível de compreensão que nós produzimos nesse encontro", concluiu. "É nisso que dá, andar em más companhias", talvez diga o leitor. Mas eu fico pensando que sentido tem a democracia para Lula se, ao longo de dois anos e meio de governo tem privilegiado tais parceiros e esteve em visita a quase todos os ditadores do planeta. Ainda no mês passado, em encontro com Chávez e Uribe, afirmou em favor do venezuelano: "Não aceitamos difamação de companheiros, não aceitamos difamação contra companheiros". E arrematou: "Tem muita gente falando mal de nós pelo mundo. Portanto, é importante que tenhamos um dos sócios nos defendendo", garantiu. Emocionado, Chávez agradeceu: "Obrigado por tuas palavras de solidariedade. Às vezes dói, sabe?" Sei. Sei que, para Lula, a democracia é mais do que relativa, não é um valor em si e vem bem depois da ideologia. Sei que a Cúpula foi um fracasso sob todos os aspectos e sei que Kirchner acabou sendo o mais prudente de todos ao pegar o boné e ir embora antes de que o desastrado documento final viesse a lume. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
|