No BNB sempre trabalhei na carteira rural. Quando comecei não sabia nadinha sobre as lides rurais, mas como admirava o povo do campo aprendi muito com ele sobre a agropecuária. Depois de algum tempo já discutia os pleitos deles com facilidade. Foram meus professores. Se tenho saudades do banco, além dos colegas, é do pessoal do campo. Comigo trabalharam alguns colegas, a maioria deles sem afinidade com o pessoal do campo. Mas um deles tinha e muito, também, pudera!, era o fiscal, um técnico agrícola que fiscalizava as propriedades rurais dos beneficiários de crédito. Era competente. Uma figura, mas quando elaborava os seus laudos gostava de empregar palavras difíceis, uma besteira, mas uma vaidade dele. Quando entregava os laudos eu passava esse material para um colega muito competente na parte burocrática, cobrança dos débitos, elaboração de cartas e pareceres nos laudos. Num deles o colega burocrático encontrou uma "irregularidade": "o cliente não concluiu toda a área da cactácea financiada". O burocrata não teve dúvida, fez a carta padrão chamando o cliente com urgência à agência e por conta própria, sem dúvida impressionado com a palavra cactácea, introduziu um item afirmando que caso a pendência não fosse regularizada o banco tomaria as medidas cabíveis, inclusive de ordem jurídica. No outro dia o cliente riscou na agência, fumaçando. Era Nezinho Claro, um mulato muito espirituoso, alegre, correto. Eu só o chamava de "a cobra que mordeu Belo", porque era assim que ele designava um homem corajoso. Estranhei o comportamento dele, mandei que sentasse e peguntei qual era o problema. Ele me mostrou a carta que falava que a área da cactácea não havia sido concluída, dos 10 hectares apenas 9,5 ha estavam concluídos, e li também o item acrescentado pelo burocrata. O fiscal estava presente, então perguntei a ele, cabra velho, era assim que o chamava, o que é cactácea? Ele estava de cabeça baixa e respondeu baixinho: - É palma. Ninguém aguentou, todo mundo riu, até a cobra que mordeu Belo. O fiscal ficou meio chateado, calado, murmurou até que ia modificar o laudo porque 95% da palma, não falou cactácea estava pronta. Nezinho saiu ainda rindo, mas disse que ia terminar a área. Desse dia em diante o fiscal não colocou mais o termo cactácea, mas ganhou um apelido. Inté.
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