Logo que começou a escrever, Rubens percebeu que tinha opiniões bem formadas sobre os mais diversos aspectos de sua cidade. Fez um esboço das principais benfeitorias, desde correio, escolas, igrejas, clubes sociais, fábricas e empresas em geral. E pôs-se a escrever sobre tudo que poderia ser feito para que a cidade tornasse-se mais moderna, bonita, limpa e, principalmente, mais generosa. Para que isso fosse possível, teria de ser realizado um grande trabalho cooperativo, nos mais diversos setores, desenvolvendo oportunidades para todos. Assim que essas idéias começaram a tomar forma em sua coluna semanal, surgiram os primeiros fãs, parando-o na rua e em todos os lugares para cumprimentá-lo. Os professores começaram a carregá-lo para dentro das salas de aula, onde o novo cronista pôde, então, semear as suas esperanças de paz e de amor à juventude da cidade. Mas a maior dádiva era ele próprio quem recebia. Viu, nos olhares iluminados das crianças e adolescentes, o "mundo perdido" de sua juventude reavivado, fresco, orvalhado, fértil. Quis descrever aqueles olhares, traduzi-los, para que num tempo futuro essas jóias da criação estivessem preservadas, nas cores verdes, azuis e os infinitos tons entre o cinza e o marrom. Passou então a pintar os olhares, conforme os segurava na memória. Quando olhava seus antigos colegas de colégio envelhecendo, tornando-se amargos, mesquinhos e intolerantes, sentia magoar-se aquele sentimento de ventura, que o invadia pelos olhares da juventude. Nas escolas da periferia, meninos de doze, quinze anos, mostravam-se estressados, com a pele começando a perder cor. Enquanto Rubens falava, alguns mais ao fundo dormiam, cansados pelo dia de labuta. Eram velhos juvenis, no botão da idade, carregando deveres como fardos que se revelavam na borda dos olhos, minúsculas rugas e a falta de sangue da vida que se esvaía. Numa certa noite não conseguiu dormir. Viu toda aquela multidão de garotos perdidos participando de uma comunidade rural, plantando, colhendo e comercializando os produtos de sua própria faina. À tarde reuniam-se para tocar violão e cantar. Ensaiavam peças teatrais, despertando talentos que de outra forma permaneceriam escondidos para sempre. Já na manhã seguinte saiu em busca de apoio para o seu projeto. Tinha certeza de que conseguiria sensibilizar a todos com a possibilidade de tirar os meninos das ruas, oferecendo um trabalho digno aos que já trabalhavam. Mas já nos primeiros contatos, a realidade dura e fria caiu-lhe na cabeça feito uma pedra. Encontravam-se todos demasiado preocupados com os rumos que o novo presidente estava dando à economia. Na incerteza, era preciso preparar-se para um inverno rigoroso. Rubens logo percebeu que, em tempos de crise, cada um procura cuidar de sua própria casa. Como o Brasil vive em crise eterna, não havia muita esperança para os esfomeados. Este projeto de Rubens, entretanto, acabou dando um novo rumo à sua própria vida. Seus amigos, embora não pudessem ajudá-lo financeiramente, viram nele um político promissor. Era eloqüente e bem relacionado. E o mais importante, tinha boas intenções! Se eleito, resolveria, em nome de todos os cidadãos de bom senso, o grave problema dos miseráveis que empestavam a cidade. Entusiasmado com o "apoio moral", começou a acreditar que somente através da política conseguiria acabar com os graves problemas de seu município. Aceitou de imediato a idéia de Roger Fernandez para a criação do Partido Socialista do Índio Guairacá (PSIG). E como membro fundador, não lhe foi difícil candidatar-se a vereador nas eleições seguintes. Já nas primeiras visitas como candidato, sentiu todo o poder que emanava do povo. Todos os visitados prometiam votar nele, apertando fortemente sua mão, olhando direto em seus olhos. Era impossível não acreditar em tão veementes protestos de apoio. Após um mês de campanha, Rubens já se sentia eleito, contabilizando mais de três mil votos. E para assegurar-se da vitória, buscando cercar os bairros que considerava menos favoráveis, realizou ele próprio uma pesquisa eleitoral. Contratou três moças para rodar a periferia coletando dados. Espertas, as pesquisadoras logo mataram dois lobos guarás com uma só cacetada. Em vez de rodar a cidade e gastar as solas dos sapatos, reuniram-se na casa de uma delas e preencheram elas próprias as fichas da pesquisa. E para garantir o contentamento do contratante, colocaram seu nome como o mais citado dentre os duzentos e trinta e dois candidatos. Rubens aproveitou a ocasião propícia e lançou uma série de panfletos na cidade, explicando o valor do voto e as obrigações dos homens públicos, esmiuçando os caminhos da corrupção, mostrando todas - ou quase todas, já que são infinitas - as possibilidades de desvios de verbas pelas prefeituras. Não satisfeito, enfiou o dedo na ferida da administração municipal da época, apontando os erros e sugerindo as correções. Pela originalidade e qualidade dos textos, o candidato logo foi convidado por várias escolas, inclusive a faculdade, a promover palestras aos alunos e professores. Era recebido como candidato vitorioso, festejado como a um astro da música pop-sertaneja. Aumentava assim, dia após dia, o sabor antecipado da vitória. Seria tão retumbante que abriria caminho para um futuro pleito ao paço municipal! Nas ruas, muitos o comemoravam, obrigando-o a olhar para todos os lados, a fim de atender a todas as solicitações de sorrisos e cumprimentos. - Estou dentro - dizia a si mesmo. Rubens não sabia, mas, em sua cidade, como em todo o Estado do Paraná, já se havia instalado a praga do escambo eleitoral, o tomalá-dá-cá entre candidatos e eleitores, que trocam sua honra e seu próprio destino por botijões de gás, vales-mercado, tanques de gasolina ou algumas dezenas de reais. Desde aquele tempo, e até onde a vista alcança, não sobra espaço nas urnas para aqueles que têm análises aprofundadas e propostas consistentes para os municípios. Os candidatos ao Legislativo, bem como ao Executivo, vergonhosamente, compram os mesmos eleitores para quem prometem trabalhar. As urnas não sorriram para Rubens. Os 58 sufrágios foram recebidos como uma carta de condenação, tornando-o amargo, cético e solitário nos anos que se seguiram. Rubens deixou-se abater pela maldição política, como costuma ocorrer com muitos candidatos bem-pensantes, que esbanjam alegria e boas intenções e depois acabam se tornando homens e mulheres cinzentos, obscuros e infelizes, vencidos pelos compradores de votos.
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