1964, numa cidade do interior de Pernambuco logo depois do golpe militar. Um rapaz morava numa pensão. Era bancário de um banco oficial, a muito custo tinha conseguido assumir o emprego, embora tivesse passado no concurso. O quase impedimento fora o fato do rapaz ter assinado um lista pedindo a legalização do partido comunista. Mas o gerente que por debaixo dos panos era contra o golpe, salvou a situação, ele mesmo colocou no jornal Diário da Noite, que só saia no final da tarde e que só chegava na cidade à noite, apenas cinco exemplares, a notinha dizia que o rapaz assinara a tal lista pensando que era para calçar a rua onde ficava a sua casa. O rapaz andava pisando em ovos, quando ouvia um papo político dava no pé. Sua única ligação com os acontecimentos de dava ligando um radinho de pilha Mitsubishi em ondas curtas, à note, nas edições em Português da Rádio Central do Moscou, Rádio Havana e BBC de Londres. Afora isso só lia fotonovela. Mas há coisas na vida que não se escapa. São as provocações. Na mesma pensão moravam três americanos do Corpos da Paz, dois rapazes e uma moça, os quais se davam muito bem com o bancário, até jogavam baralho com ele. Dos americanos o rapaz só não gostou da galinha com açúcar que eles preparavam. Mas na pensão também chegou um sargentão, veio dirigir o Tiro de Guerra da cidade, e enquanto não alugava casa para trazer a família, ficou na pensão. O sargentão era exibicionista e gostava de provocar o rapaz, sabia que o pai dele era comunista e estava preso no Recife. Então começava a dizer, pensando que estava agradando a todo mundo, que seu maior prazer era dar surra em comunistas, que tinha participado de muitas logo nos primeiros dias da "revolução". O rapaz calado, constrangido, sabendo que era provocação, mas foi aguentando, até os americanos mudavam de conversa. Mas o militar se considerava dono do pedaço. E tome provocar. Certo dia, na hora da janta, todo mundo sentado tomando a tradicional sopa, o sargentão começou a contar como torturara um preso que estava imobilizado numa cadeira, ele e outros militares, falou em choque elétrico, bolos de palmatória e alicate. O rapaz perdeu o gosto pela sopa, achou que aquela provocação era a gota d'água que fez transbordar sua paciência. Afastou o prato, pegou um cigarro do maço de Continental, acendeu, deu uma tragada, e miuto calmamente como se não estivesse com raiva perguntou ao sargentão: - Sargento, se o senhor se encontrasse com um comunista peito a peito sem ele estar amarrado numa cadeira, o senhor o enfrentaria ou se acovardaria com medo de levar a pior? - O sargento espumou de raiva e disse que comunista nenhum lhe metia medo, que enfrenaria qualquer um deles. O rapaz não teve dúvida, tirou outro trago do cigarro e disse firme: - Então prove isso, faça de contas que eu sou um comunista e demostre sua valentia, se não fizer isso vai ficar como covarde. - O militar grelou os olhos, não estava mais ali a fera, pensou duas vezes, olhou em volta como pedindo para alguém intervir, foi quando alguns viajantes e os americanos levaram o rapaz. No outro dia, o gerente do banco, inteirado dos fatos, pela dona da pensão e as empregadas que gostavam do rapaz, foi ao juiz de direito, esse juiz era da mesma cidade do pai do rapaz e costumava jogar baralho com ele. Mandou chamar o sargentão e disse a ele que limitasse a sua ação ao Tiro de Guerra, que ele não era interventor da cidade. Foi remédio santo. Dias depois o sargento alugou uma casa e trouxe a família e nunca mais contou casos de tortura que depois soube-se era tudo mentira. O rapaz também saiu da pensão e foi morar numa "República" com outros colegas e nunca mais se falou no caso. Não interessava a nenhuma das partes. Inté.
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