Decisão judicial não se discute; cumpre-se e, em não concordando, dela se recorre na instância adequada. Mas nada pode nos impedir de lamentar que a mais alta corte de justiça do país, sobrecarregada por tantos processos e responsabilidades, seja acionada para se pronunciar a respeito do desentendimento de dois parlamentares que vêm se estranhando há anos. Jair Bolsonaro e Maria do Rosário brigam desde 2003, quando ela o chamou de estuprador e recebeu como resposta que ele não a estupraria por ela não merecer (ser estuprada). Depois de 11 anos de convivência difícil, o deputado repetiu a afirmativa tempos atrás e, por isso, é processado. Salvo melhor juízo, esse é um assunto interna corporis da Câmara dos Deputados e, antes de qualquer acionamento do aparelho judicial, deveria passar pelo crivo dos órgãos de controle da própria Casa, que têm capacidade e atribuição para analisar quem violou o regimento e a ética e aplicar as devidas punições. Só depois de esgotada essa instância, se ainda se fizesse presente a contenda, aí sim, acionar o Ministério Público e a Justiça. Os parlamentares têm o dever de urbanidade de uns para com os outros, mesmo divergindo nos seus pontos-de-vista e posicionamento ideológico. Isso faz a essência do Poder Legislativo e é através da divergência que seus membros resolvem os problemas da sociedade. Sem qualquer dúvida, é tão indecoroso uma parlamentar chamar seu colega de estuprador quanto este retrucar que não a estupra por falta de merecimento. Infelizmente, vivemos um tempo em que as opiniões se radicalizam, grupos forçam a barra para a penalização daqueles que lhes são diferentes e exacerbam-se conceitos de ofensa, bullying, gêneros, minorias etc. A sociedade está doente, carregada de regras e regulamentos que nem sempre se aplicam ou, por outro lado, servem para escravizar uns em benefício de outros. Uma das distorções de ultimamente é a excessiva judicialização da política e até a intervenção da Justiça no Legislativo, cada dia mais debilitado. O embate Maria do Rosário – Bolsonaro deveria ser resolvido no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, que tem poder até para propor a cassação do mandato dos faltosos. Acionar o Supremo Tribunal Federal para decidir uma briga de parlamentares é, no mínimo, um desperdício. Parlamentares, representantes do povo, têm o dever mútuo de respeitarem-se e, assim, serem respeitados. E a Câmara tem de ser suficiente para resolver suas questões internas. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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