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SEÇÃO
Crônicas
12/07/2016 - 06h30
Silêncio de igreja
Henrique Fendrich
 

Houve um tempo em que éramos católicos, apostólicos e romanos, e num dia como hoje, uma Sexta-Feira Santa, guardávamos não apenas o jejum das carnes, mas sobretudo o do barulho. Era, afinal, o dia em que o Cristo morria e, em consideração ao seu sofrimento, deveríamos sustentar um silêncio pesado e reverente, falar apenas o indispensável, sempre em voz baixa. Não se cogitava que, em dia tão triste, distraíssemos-nos ouvindo música – e, para evitar que caíssemos em tentação, a própria rádio da cidade deixava de funcionar. Mesmo as brincadeiras que fazíamos enquanto crianças possuíam certo ar de solenidade, temerosos que estávamos de desrespeitar um preceito sagrado e atrair sobre nós o castigo dos céus. Transportávamos, em suma, para dentro de casa o mesmo ambiente que nos envolvia quando íamos à igreja.

Com isso tudo, esperava-se que refletíssemos sobre os mistérios da paixão do Senhor, coisa que sabidamente teríamos dificuldade de fazer se nos deixávamos envolver pelos sons que o mundo oferece. Não sei como as coisas acontecem hoje em dia, talvez já seja possível ser católico sem dedicar um dia inteiro à memória da sua morte. É possível que já cause estranheza recomendações como a do padre Antônio Vieira, que dizia para dedicarmos todo dia um tempo para pensarmos em nossa própria morte. É que já não estamos dedicando um tempo para pensar em coisa alguma, tão mergulhados estamos nas distrações do nosso tempo, algumas até silenciosas, mas que inquietam o nosso espírito, que dirá pensar em coisas tão aborrecidas quanto a nossa finitude ou a salvação da nossa alma.

Mas resiste, até onde eu sei, o silêncio do interior de uma igreja, e eu mesmo, sempre que posso, entro em uma delas para melhor usufruí-lo. Ah, quantas decisões eu não haveria de tomar, quantas ideias não haveriam de me surgir, a que conclusões eu não conseguiria chegar, se tivesse a chance de experimentar, todos os dias, o silêncio do interior de uma igreja. Fomos desacostumados a parar para pensar, desaprendemos a refletir, a procurar verdades dentro de nós mesmos, fomos deseducados na arte de contemplar, a inútil arte de contemplar, que não nos traz dinheiro, nem prestígio, e que, no entanto, até pode ser que nos traga alguma paz. Olhamos ao redor e vemos placas, outdoors, teletelas como as que o Orwell previu, e tudo nos informa do que acontece no mundo, e em toda parte é possível ficar conectado, on line, disponível, mas tudo isso, no fim das contas, também adia o nosso terrível encontro conosco mesmo. A ele dedicamos, como já não vamos à igreja, apenas os momentos que passamos embaixo do chuveiro e aqueles em que, deitados e semiconscientes, aguardamos a chegada do sono reparador.

Escrevo isso perto das três da tarde, hora simbólica em que o Cristo expirou, o sol escureceu, a terra tremeu, fenderam-se as pedras e os sepulcros se abriram – foi uma confusão dos diabos. Era quando, em criança, eu sentia o maior pesar, como se ele estivesse morrendo de novo, no exato momento em que eu olhava no relógio: três horas! Morreu para a salvação de muitos, embora também muitos sejam os que já se consideram satisfeitos por ter esta morte rendido mais um feriado.

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