Está para ser julgado, no Supremo Tribunal Federal, o pedido de esquecimento impetrado pela família da jovem Aida Curi – estuprada e morta no Rio de Janeiro em 1958 -, onde o propósito é impedir os veículos de comunicação de citarem o ocorrido, e os sítios de busca de terem informações sobre o fato. Por mais razões emocionais que os impetrantes possam apresentar, há de se convir que eles (e ninguém) não podem mudar o passado. Os fatos ocorreram e, da mesma forma que na época fugiram ao controle dos familiares e amigos da vítima, estão irreversivelmente gravados na crônica policial brasileira. Esquecê-los seria rasgar ou queimar a história e, pior, lançar na lata do lixo os exemplos que dela possam tirar as novas gerações. Todos os fatos – policiais, políticos, sociais e outros – possuem diferentes facetas que a qualquer tempo podem ser questionadas, estudadas, comparadas para contribuir com a evolução da sociedade. Se a Justiça decretar o banimento das informações, mesmo que não possa fazer o mesmo da memória dos contemporâneos, correrá o risco de provocar a mutilação da história nacional, pois as pessoas morrem e a memória oral nem sempre é passada de geração em geração. Infelizmente, já vivemos num país onde a demagogia, o ativismo e o interesse de grupos especuladores sensibilizaram demais a relação da sociedade com as minorias, hoje portadoras e ao mesmo tempo vítimas de direitos nunca antes imaginados. Permitir que fatos do cotidiano sejam varridos para baixo do tapete para atender a interesses ou susceptibilidades de parte dos envolvidos é uma temeridade, na medida em que priva todos os integrantes da sociedade de conhecerem o ocorrido. Mais que isso: rouba das novas gerações o direito de vivenciar as experiências do passado na luta para que os males de então não tornem a acontecer. O procurador geral da República, Rodrigo Janot, lembra que o direito ao esquecimento não faz parte do ordenamento jurídico nacional. Mas uma decisão favorável do STF criaria jurisprudência e a regra passaria a valer. Também há um projeto nesse sentido já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. É importante os parlamentares terem em mente que, aprovando-o, irão sonegar às futuras gerações as informações de tudo o que hoje vivemos e trazemos na lembrança. Todos os episódios têm pelo menos dois lados e, com uma legislação dessa, os ofendidos, fatalmente, pleiteariam o benefício do esquecimento. Seria mais danoso até do que a própria censura pois, além de interferir no presente, deixaria um rastro de destruição para o futuro... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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