O alcance constitucional de cidadania e o direito individual do cidadão
Os termos cidadania e cidadão da forma como normalmente são abordados no meio acadêmico, na imprensa escrita e falada, na convivência social, na esquina pública ou no mundo jurídico, são extremamente vagos, podendo ter várias interpretações, de acordo com os interesses em jogo. É preciso, portanto, refletir atentamente sobre sua origem, seu sentido, sua implicação, seu objetivo e sobre a possibilidade de sua efetivação, conforme a mentalidade de cada interlocutor. Pois, enquanto discursar ou escrever sobre a cidadania e praticar a cidadania existe um longo caminho, trilha e armadilha que esvazia o real significado da palavra cidadania. O alcance do conceito constitucional de cidadania é amplo, no contexto de abranger a universalidade de todos os participantes da vida de um Estado Democrático de Direito, incluindo-se os titulares de direitos políticos. A cidadania como segundo fundamento, entre os cinco princípios fundamentais, do art. 1º da Constituição da República/1988, é empregada em uma amplitude maior, do que falar em nacionalidade originária ou adquirida, é muito mais do que a prerrogativa da pessoa física de exercer direitos políticos, tais como: capacidade política, idoneidade para o gozo do direito de eleger e ser eleito, de exercer o direito do voto e de candidatar-se em eleições, nos termos da Lei Maior. Interessante observar, que além dos cinco incisos fundamentais do art. 1º, o destaque do parágrafo único diz o seguinte: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Logo, se "todo o poder emana do povo" tem o sentido de que o nosso regime político é a pedra fundamental de um Estado Democrático de Direito, onde o governo é do povo, para o povo, pelo povo e em benefício dele (direito coletivo), e não propriamente ao direito individual do cidadão. Portanto, quando se fala em cidadania constitucional, pressupõe que haja Democracia, não só o exercício de certos direitos de participação, como também a prática dos deveres de colaboração solidária, outorgada em igualdade de condições, em nome de uma coletividade ou universalidade da Nação. A bem da verdade, cidadania constitucional é regra, que não se confunde com o individualismo do cidadão que é espécie. Posto que, aquela é um princípio fundamental da Democracia, ao passo que o direito individual do cidadão é interesse próprio (art. 5º e respectivos incisos), que não é absoluto, e não há direito adquirido em face da Constituição Federal, conforme remansosa doutrina e jurisprudência do STF. Diante disso, por exemplo, dizer que "é livre a manifestação do pensamento (...)", conforme o disposto no art. 5º - IV da CF, não é garantia de um direito absoluto, o que significa que não se pode dizer ou escrever tudo o que vem na "telha"; assegurado o direito de resposta e respondendo cada qual pelos excessos que cometer. Dizer que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", descrito no art. 5º - X, também, não constitui um direito absoluto. Pois, cada caso é um caso específico. Pode haver busca domiciliar e apreensão judicial, liminar de quebra de sigilo fiscal, bancário, telefônico etc. etc. etc., amparado por justa causa, em face de um interesse maior ou público em detrimento do interesse particular. A par dessas questões, quando se fala de cidadania numa Democracia Representativa, como é o nosso, é primordial afastar o individualismo do "Eu" e pensar em "Nós", (preâmbulo da Constituição Federal da República), que exige de cada cidadão colaborar com a comunidade e praticar a cidadania participativa, tais como: · Acreditar, investir ou ajudar no trabalho social; · Cumprir os direitos e deveres sociais, políticos e civis; · Manifestar indignação pelas misérias e injustiças sociais; · Informar e educar sem intenção tendenciosa; · Pensar globalmente e agir na localidade; · Evitar o individualismo e o egocentrismo no convívio social; · Respeitar as diferenças de idéias ou políticas, antes de exigir o seu; · Ser justo, íntegro e responsável; · Socorrer os mais fracos, menos politizados e perseguidos; · Desenvolver o "welfare state" (bem-estar social). Conclusão: PASCAL já havia dito há séculos - "O prazer dos grandes homens consiste em poder tornar os outros mais felizes". Obs. Art. 1º - par. 1º da Lei Federal nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) - "No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social". Orlando V. Sales - adv. OAB/SP 91.826
|