É impressionante o fascínio que a classe artística brasileira, notadamente de esquerda, nutre por si própria e por sua prole. Diferentemente do que acontece num país violentamente capitalista como os EUA, onde ser filho de uma celebridade garante muito pouco em termos de sucesso profissional na área do pai ou mãe em questão, no Brasil se dá rigorosamente o contrário: embora "socialista" no discurso, o artista brasileiro tem convicção de que filho de peixe tem de ser peixinho ainda que seja por ato régio, em moldes monárquicos. Fabrica-se seu sucesso de uma forma ou de outra, por intermédio das colunas sociais, dos concursos, da eficiência das chamadas relações interpessoais. Amem meu filho ou caiam fora. O exemplo mais saboroso dessa constatação atende pelo nome de Conspiração Filmes e é uma produtora de cinema. Surgida basicamente pelo fato de reunir um grupo de jovens filhos de artistas famosos ou celebridades, nutriu-se muito tempo dessa fama, até estabelecer-se como empresa comercial. A imprensa tapuia logicamente deliciou-se com a idéia do sucesso indiscutível de tantos herdeiros juntos. Foi lançado agora um filme que naufraga justamente por sua obsessão em não "abrir a rodinha". Em "Casa de Areia", produzido pela Conspiração Filmes, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha, são dirigidas pelo genro da primeira e marido da segunda, Andrucha Waddington, que por sua vez é irmão do diretor de televisão Ricardo de mesmo sobrenome. O argumento é de Luiz Carlos Barreto, o Barretão, que enfiou no ramo pelo menos 3 de seus filhos (Fábio, Bruno e Paula). O produtor é filho de um senador da República. Não obstante, as duas damas de nossas artes cênicas se dispõem ao supremo sacrifício de interpretar quase meia dúzia de papéis diferentes por conta própria, economizando em salários e encargos trabalhistas para quem não é da família. O resultado é um autêntico jogo de espelhos de circo de interior que destrói o filme. O público se distrai da história e presta atenção ao próximo malabarismo de maquiagem para fazer com que a mãe pareça a filha, a filha pareça a mãe, mas não determinada personagem, tudo ao mesmo tempo agora. Uma salada mista que somente o egocentrismo em estágio terminal de nossa elite intelectual e sua vaidade exacerbada seriam capazes de criar. Como se sabe, Fernandinha Torres acha Lula o máximo. Muitos de nossos artistas são assim: de esquerda, mas acreditam que sua linhagem é nobre, deve ser preservada a qualquer custo. Eles têm sangue vermelho.
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