Seu Nando foi uma dessas figuras humanas marcantes que a gente tem a honra de conhecer na vida. Era vigia de uma repartição e, nas horas vagas da tarde, trabalhava como sapateiro. Ninguém botava uma meia sola como ele, o sapato ficava novinho em folha. Era especialista também em consertar bolas de futebol. Seu Nando fora pracinha, chegou a embarcar mas não tomou parte em nenhuma batalha. Tinha horror a guerra, não falava nesse assunto, mas o cargo de vigia fora dado por causa da sua condição de ex-pracinha. Era nacionalista radical. Defensor inconteste de Getúlio Vargas, no quartinho onde consertava sapatos tinha um retrato do "Pai dos Pobres", era assim que se referia a Getúlio. Diziam que no dia que Gegê se suicidou, Seu Nando chorou que nem menino novo. Era um ótimo contador de causos e histórias. Todas verdadeiras, nenhuma sobre si próprio, nisso era muito reservado. Ele tinha vários filhos e filhas. Uma ninhada, dizia. Eram a sua alegria, mas o seu xodó era mesmo a filha Nair. Era uma moça linda, alegre e muito namoradeira. Seu Nando vivia de olho nela, mas não tinha tempo de exercer uma vigilância total. E um belo dia estourou a bomba: Nair fugiu com um viajante de remédios, um cara casado. Pensem na tristeza de Seu Nando, chorou do mesmo jeito que chorara a morte de Getúlio. Mas não foi atrás dela. Era orgulhoso. Disse que daquela hora em diante não tinha mais aquela filha. No outro dia, cortando a sola com os olhos marejando ele disse a mim e a um amigo, um sujeito mais velho que eu mas que também gostava do velho: - Minha filha tá furada. Perdeu a virgindade para um cabra safado. Estou desmoralizado. O amigo ainda quis argumentar, mas ele pediu para mudar de assunto. Nair não teve sorte na sua aventura, engravidou e o viajante abandonou-a na Bahia, ela vagou pela cidade sem conhecer ninguém, até que adoeceu e abortou. Foi acolhida por umas religiosas de Feira de Santana que a trataram e entraram em contato com Seu Nando. O velho não teve dúvida: foi buscar a filha, não lhe deu esporro, nem lição de moral, nem a tratou mal, deu apenas carinho e compreensão. Era como se não tivesse sucedido nada. Ele era louco por Nair, era, como já disse, o seu xodó. É claro que ele passou algum tempo enclausurada, envergonhada e triste. Mas aos poucos foi voltando à vida e, apesar da língua ferina das comadres que quando ela passava diziam sussurrando: - Lá vai a furada, ela começou a namorar. Para comemorar a volta de Nair foi feita uma festa na casa de Seu Nando, uma buchada. Festão. Depois do almoço ficamos debaixo da mangueira que existia na frente da casa dele, sentados em tamboretes, ele, eu e o amigo, um sujeito mais velho que eu e muito experiente. Ele perguntou se Seu Nando estava feliz. O velho deu uma tragada no Continental se filtro e disse: - Tô, amigo, minha fia voltou, só tenho um desgosto, ela tá furada e ninguém vai querer casar com ela. O amigo foi direto: - Seu Nando, mulher não é lata que para carregar água não pode estar furada. Mulher é gente como a gente. Olhe, vou lhe dizer algo: minha esposa era furada e mesmo assim casei com ela, existe alguma mulher na terra mais decente que ela? O velho encheu os olhos de lágrimas. Mudamos de assunto, Seu Nando ficou muito feliz. Quanto a Nair tempos depois casou com um fazendeiro rico e vive muito feliz. Uma das notáveis da sociedade no sertão. Inté.
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