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SEÇÃO
Crônicas
24/09/2016 - 07h43
Janela indiscreta
José Luiz Boromelo
 

“Próximo...” A voz inquisitória faz andar a fila e aguça os olhares curiosos. A todo o momento a solicitação é repetida mecanicamente: “Data de nascimento”. Nesse momento a atenção se volta ao cliente da vez, obrigado a revelar dados pessoais em público. Tudo provocado pela onda de explosões a agências bancárias, obrigando as pessoas a suportarem filas intermináveis nos correspondentes bancários por todo o País. Entediado numa fila estática, observo a inquietação da mulher ao lado. Ela se mostra impaciente com a demora, procura algo na bolsa enquanto aguarda atendimento segurando um pacote de papéis. Finalmente chega sua vez. Atrapalha-se na apresentação das contas pendentes, retoma a sequência do pagamento e finalmente estabelece um denominador comum com a soma apontada pela funcionária. Ruboriza-se ao tentar ocultar a idade, falando baixo com as mãos em formato de concha. Teria quarenta e poucos anos, mas preocupava-se em aparentar bem menos, a julgar pela indumentária jovial. Morena de olhos verdes, pele lisa e bronzeada, comissão de frente surpreendentemente generosa apontando para o horizonte, óculos solar descansando sobre a cabeça, aparelho celular de última geração, roupas de grifes famosas, salto alto, acessórios multicoloridos, batom vermelho delineando os lábios, fala pausada e comedida, sem vícios de linguagem. Com o ambiente perturbadoramente silencioso, a plateia momentânea tomou pleno conhecimento das primaveras vividas pela distinta dama da sociedade, destoando da maioria dos demais mortais comuns, que invariavelmente trazem no semblante as marcas indeléveis da passagem do tempo.

Tento conviver com essa nova situação da melhor forma possível, incluindo no rol dos aborrecimentos diários a greve dos bancários e as casas lotéricas apinhadas de gente. Então, o jeito é aproveitar o momento para fazer uma autocrítica consciente, mesmo porque as comparações são inevitáveis naquele ambiente. Como é impossível não tomar conhecimento da idade das pessoas, só resta observar bem os estragos gravados no semblante (e no resto do corpo também). É o caso daquele senhor baixinho, cabelos ralos e brancos como neve, gestos apressados e óculos de fundo de garrafa ter somente 53 anos. Logo penso que estou bem na parada, com meus passados 54 e meio. Fiquei com uma pontinha de inveja do falastrão com capacete no braço, todo empertigado, que apesar da idade se gabava da artilharia isolada no campeonato amador (foi logo desmascarado pelo colega irreverente, pois a façanha teria acontecido em um churrasco de fim de semana). Ou da tia sempre solícita, exageradamente amável, que sem cerimônia alguma cedia sua vez na fila para alguma situação de emergência. Tinha também aquele casal 20 (certamente ambos com mais de 40), manipulando continuamente o aparelho celular, conversando entre si sem sequer desviar o olhar do teclado. E o exemplo do ancião que do alto de seus 81 anos, apesar dos apelos dos atendentes, fez questão de aguardar o atendimento na fila, pelo simples fato de que tinha todo o tempo do mundo e saúde suficiente para permanecer tranquilamente em pé por alguns minutos.

Depois dessas e de outras constatações, passei a reavaliar melhor meus reclames ao ocupar um lugar nas filas imensas. Agora tento juntar paciência até ser atendido, sem, no entanto, deixar de observar o que acontece ao redor. Porque, por mais que se tenha consciência das limitações naturais que a idade lentamente impõe aos cinquentões, sessentões ou setentões de plantão, sempre existe a possibilidade de novas analogias. Então, quando instado, deixo o constrangimento de lado e procuro ser o mais audível possível: “Vinte e cinco de março de mil novecentos e sessenta e dois...”


Nota do Editor: José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva (PR).

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