“Compromisso com o lado certo da vida errada” é a proposta de um manifesto, divulgado na mídia gaúcha, escrito por líderes de gangues que pedem “limites” na violência, por exemplo não haver esquartejamentos. Essa carta (assinada por 3 presidiários da maiores penitenciárias do RS) é tida como símbolo da falência da segurança pública, pois os próprios bandidos estariam tomando para si a iniciativa de estabelecer regras contra a violência excessiva. A realidade das periferias de Porto Alegre – que se espalha pela capital e pelo interior também – é uma verdadeira “guerra civil” entre os “Bala na Cara” e as demais gangues que se unem como “Anti-Bala”. Essa guerra passou a envolver a população também nas áreas centrais e em toda região metropolitana, aparecendo nos noticiários execuções até no aeroporto e em ruas de bairros centrais da cidade. A famosa “carta” lembra o estilo dos “Anti-Bala” em uma espécie de “marketing” com proposta implícita de união contra o grupo mais agressivo de todos. Como chegamos a esse ponto numa capital que se orgulhava por sua civilidade, e em pleno século XXI ? Nas últimas três décadas, fazendo avaliações psiquiátricas de jovens infratores e de adultos envolvidos nessas gangues, pude constatar alguns fatos que a sociedade ainda resiste em ver. A questão fundamental é que não se tratam de meros “poderes paralelos” mas de um “mundo paralelo” que envolve a vida de milhares de pessoas das periferias da nossa sociedade. Esses jovens revelam que roubam carros de luxo para desfilar em frente a colégios ou nas ruas onde sejam vistos pelas garotas, que os admiram pelo “poder” que ostentam. A violência como forma de expressão do poder de pessoas que querem se sentir “importantes” já foi descrito nos anos 70 em “Poder e Inocência”, uma análise profunda do fenômeno, do psicólogo Rollo May. Isso é tão irracional quanto a intenção do assassino de John Lennon que se sentia um “ninguém” e matou um ídolo para ser “alguém”. É tão irracional quanto o Estado Islâmico. Isso não pode ser combatido só por novas tecnologias, pois essas também são usadas nesse “mundo paralelo” que comanda a vida de milhões de pessoas nas periferias. É uma questão humana e sociológica, decorrente da “anomia” da vida nas metrópoles, da perda de identidade, de referências e de valores. É evidente que a defasagem de forças policiais e vagas em presídios é emergencial, mas essas medidas não serão ainda suficientes para estancar essa guerra. A questão fundamental a compreender é que o Estado brasileiro, além de ineficiente e carente de prioridades, também carece de diagnóstico, de visão estratégica e de planejamento para a realidade da vida urbana massificada nesse início de século XXI. Nota do Editor: Montserrat Martins, colunista do Portal EcoDebate, é médico psiquiatra, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e ex-presidente do IGS – Instituto Gaúcho da Sustentabilidade. Fonte: Portal EcoDebate (www.ecodebate.com.br)
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