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Crônicas
07/06/2005 - 11h07
Crônica de Amor
Vany Paiva - Agência Carta Maior
 

Por mais insólito e absurdo que me pareça, acho possível amar um cachorro. Ou mesmo um gato. Até uma maritaca, quem sabe, pode ser digna de algum afeto legítimo vindo do coração de um ser humano. Há quem goste de iguanas, sapos e cágados. Outros preferem seres de grande porte, como cavalos, elefantes e girafas, animal pelo qual eu, muito particularmente, tenho grande apreço. No zoológico, divirto-me um bocado com esse bicho de pescoço esticado, que gosta de exibir aquela enorme língua melada aos visitantes.

Difícil, porém, é amar um ser da mesma espécie. Seres humanos são bichos indecifráveis, absolutamente diversos entre si, cujo maior desafio é encontrar um par à altura de sua própria loucura. Tenho cá pra mim que um de nossos objetivos nessa terra de marlboro é transformar a existência individual, em coletiva; duplicar o "eu" e chamá-lo de "nós"; deixar de ser ímpar para tornar-se par. No entanto, na qualidade de filha única, habituada aos caprichos desta confortável posição de senhora de todas as vontades, sempre desconfiei desta multiplicidade de gostares. Divisões não fazem parte da cultura dos filhos únicos. Não gostamos de dividir brinquedos na infância, amigos na adolescência ou intimidades na juventude. Ser "eu" parece ser suficiente aos olhos de quem se habituou a ser indivisível.

Por tudo isso, confesso que jamais apostei na chance de encontrar um ser, da mesma espécie, capaz de comigo dividir loucuras, afetos e manhãs. Desde há muito, isso me parecia um jogo de azar, sem direito a segunda rodada, num campeonato comprado por cartolas que, seguramente, deviam ter muitos irmãos. Não me parecia possível, digo mesmo verossímil, jogar um jogo cujo objetivo era encontrar um único par em meio ao emaranhado de possibilidades ilimitadas fornecidas em um enorme tabuleiro de seres.

Lembro-me agora que, por volta dos meus vinte anos, escrevi um texto intitulado "Nós, as solteiras". Nele eu bradava contra instituições afetivas, amores, namoros, contra a vida em par. Adolescente tardia, eu bradava contra tudo que fosse sinônimo das palavras "oficial", "oficioso" e "ofício". Talvez por isso eu tenha levado um certo tempo para encontrar um trabalho que me desse prazer e um amor para chamar de meu.

Pois saibam, amigos, que o encanto desfez-se.

Trabalhar já não me assusta porque gosto do que faço. Da mesma forma, amar também não me amedronta mais, pois encontrei um coração generoso, gentil e grandioso o suficiente para comigo dividir a vida, os sonhos e os pecados. Da gula, da preguiça e da luxúria!

Meu coração chama-se Diogo e é com ele que tenho aprendido a duplicar meu "eu", multiplicar meus gostares e dividir as contas. "Eu" agora somos "nós". Em algumas semanas estaremos habitando o mesmo teto, compartilhando cama, mesa, banho e canais da NET. Vamos morar juntos, apostando que é possível sim jogar esse jogo. Basta encontrar a peça certa.

Sejam bem-vindos em nossa casa. Que é dele. Que é minha. Que é de vocês também. Chá-de-panela, despedida de solteiro, open house, cervejinhas nas tardes de sábado e todo o resto serão comunicados no devido tempo. Por enquanto ainda estamos envolvidos com as questões da vida prática que, de tão numerosas e enfadonhas, estragariam o encanto desta crônica de amor.


Nota do Editor: Recentemente, publicamos crônica de João Soares Neto, na qual ele estabelecia um diálogo com o autor Michael Kepp a respeito de uma sua declaração: "Por que um país católico, como o Brasil, tem uma cultura tão menos confessional do que a minha pátria protestante, os Estados Unidos, onde até os não-famosos escrevem sobre os seus triunfos e traumas, não importando o quão triviais eles sejam?" A pergunta foi feita na Folha de São Paulo pelo escritor americano Michael Kepp que mora há 22 anos por aqui. Discordo completamente do "gringo-brasileiro" como ele se auto-intitula (JSN).

Eis esta crônica de Vany Paiva, sensível e plenamente confessional, que não deixa o João Soares Neto falando sozinho em defesa da abundante ocorrência do mais simpático estilo confessional de que os brasileiros são capazes.

P.S.: Nós e os leitores, além de felicitar a autora, aceitamos sim, desde já, o convite para as cervejinhas!

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