- Recebemos uma denúncia de Quixote Moderno S/A, que o acusa de extrair mogno nativo para confecção de seus bonecos de ventríloquo. - Ah, então foram eles... nada me espanta, vindo dessa gente. Essa Quixote Moderno S/A não tem autoridade moral para denunciar e nem acusar ninguém. Seu imenso latifúndio de geradores eólicos provocou uma catástrofe ambiental na região, e nada de punição até hoje. Teve até uma turma do Greenpeace fazendo protestos e se amarrando às hélices dos moinhos. Ou melhor, dos aerogeradores. Todos viram, deu no Jornal Nacional semana passada. E os responsáveis aí, soltos. Eles me perseguem porque um dos meus bonecos deu a entender, em um programa de auditório, que a Quixote Moderno é uma verdadeira desgraça ambiental. Depois disso eles botaram detetive atrás de mim, para flagrar qualquer passo em falso e destruir minha reputação. - O erro da Quixote Moderno não justifica a ilegalidade cometida pelo senhor. Essa questão não vem ao caso. - Mas o meu delito é pequeno demais perto do crime ecológico deles. Para fazer seu fabuloso parque de 9.000 geradores, em duas semanas foram para o chão 5.700 hectares de mata que a natureza levou milênios para formar. Várias espécies de animais e plantas foram extintas e até o clima foi afetado por aqui. E vocês me enchendo a paciência por causa dos meus bonecos! - Se tantas árvores foram derrubadas para montar o latifúndio eólico, por que o senhor não as aproveitou como matéria-prima de suas criaturas? - Ah, então quer dizer que se eu me servisse das toras ceifadas criminosamente estaria tudo certo? Olha, na época da devastação eu até pensei em pedir um ou outro toco para a Quixote Moderno. Mas minha produção de bonecos é tão pequena, mas tão pequena que fiquei até envergonhado. Forneço meus bonecos para ventríloquos de circos, teatros e TVs de todo o Mercosul, mas mesmo assim são pouquíssimas unidades. O ventriloquismo não encanta mais as crianças de hoje. Sem falar que a Quixote Moderno só venderia aquela quantidade colossal de madeira a quem levasse tudo de uma vez, para desocupar rapidamente a área. E pagando uma fortuna, é lógico. - Entendo o seu ponto de vista. Mas se por um lado eles exterminaram um patrimônio florestal enorme, por outro eles se redimem produzindo energia limpa, gerada pelo vento. - O senhor está defendendo aqueles criminosos? Quanto é que está levando nisso, hein? - Faça o favor de me respeitar, posso prendê-lo. - Então, não perde tempo. Melhor me prender agora, porque se eu sair daqui vou correndo fazer dois novos bonecos de ventríloquo - um com a sua cara e outro com a cara do CEO da Quixote Moderno. E nem queira o senhor saber as falas que eu vou botar na boca de vocês dois! - Ô Denilson!… - Pois não, Dr. Sancho. - Liga pra Quixote Moderno, diz que o homem tá aqui comigo e que eu estou aguardando instruções. - Sim senhor, Dr. Sancho.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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