Um baixinho, careca. Meio gordinho. Viu que eu entrava no elevador e decidiu esperar o próximo. Não o culpo, eu teria feito exatamente o mesmo. O baixinho é dentista, e dos sanguinários. Por algum tempo tratou e destratou os meus dentes. Em uma simples limpeza, coisas podiam sair voando da boca: uma restauração, o próprio dente, talvez a língua. É o tipo de cara que torna plenamente justificável o medo de dentista. Fora isso, sei que não perde a oportunidade de cantar uma mulher. Me cantou quando eu estava grávida! Até que um dia eu cansei, desmarquei uma consulta e nunca mais apareci.

O problema é que ele trabalha no mesmo prédio que eu e a gente sempre corre o risco de se encontrar. Se a gente estiver caminhando, ainda dá para disfarçar, mas dentro do elevador não tem jeito!

Imagino a cena: somos os únicos passageiros no elevador. Eu olho distraída para o celular. Ele olha para para a televisão que há dentro dos elevadores. Fingimos naturalidade, mas estamos constrangidos e não nos olhamos. Os poucos segundos que o elevador leva até o décimo andar são eternos.

Outra cena: somos os únicos passageiros no elevador. Ele olha para mim, me cumprimenta e observa que já faz tempo que não vou ao seu consultório. Respondo que é verdade, faz tempo mesmo. Mas não digo que achei outro melhor. E não vejo a hora de chegar ao décimo andar.

Uma terceira cena: somos os únicos passageiros no elevador. Ele me cumprimenta secamente e pergunta por que não apareci mais no seu consultório. Respondo que é porque ele é um péssimo dentista, destrói restaurações e machuca a boca dos pacientes. Sua fisionomia se altera: “O que você está falando? Repete!”. E eu: “É isso mesmo, seu galanteador de meia tigela! Vá se olhar no espelho, seu careca safado”. Ele parte para cima de mim para agredir ou beijar. Revido com bolsadas. O elevador chega ao décimo andar e nós continuamos ali, atracados.

Foi realmente um alívio quando ele decidiu esperar pelo próximo elevador.