A poesia, para ser válida e gerar os efeitos pretendidos, tem que ser uma coisa viva. Precisa pulsar, ser ágil, nervosa, vibrante. Manoel Bandeira escreveu acerca da sua forma de expressão: “Meu verso é sangue. Volúpia ardente. Tristeza esparsa… remorso vão Dói-me nas veias. Amargo e quente, cai, gota a gota, do coração”. Assim são os poemas do novo livro do amigo e acadêmico Uassyr Martineli, Pela Vidraça. A obra é a 48ª das publicações da Academia Campinense de Letras e vem em boa hora, num momento atípico da vida nacional, caracterizado pela violência, pela fome e pela angústia. O volume todo transpira poesia, que escorre por suas páginas, se espalha pelas mãos, penetra pelos poros e vai fundo ao coração. Produz um impacto, leva a pensar, mas é sobretudo sentimento. Logo nos primeiros versos, do poema que abre o livro e lhe dá título, “Pela Vidraça”, o leitor é convidado, sem cerimônia, a fazer um passeio pela alma de um mago, acostumado a jogar, com rara maestria, com nossos sentimentos: “Pela vidraça da casa de uma janela só (na sala de pouca luz) entraram - abafados, surdos – os gritos e os risos das crianças a brincar com o último pedaço de tarde”. Lindos versos. Líricos, lúdicos e ao mesmo tempo sérios. E o livro todo, poema a poema, página a página, mantém o mesmo ritmo, sem jogos de palavras cifradas e nem trucagens típicas de quem quer se passar por poeta. Uassyr não precisa disso. Pelo contrário, tem o mérito da clareza, da lapidação do verso, que expurgado de impurezas vocabulares, brilha com a intensidade de um diamante do mais elevado quilate. Exagero? Longe disso! O leitor mesmo pode comprovar o que afirmamos ao ler, por exemplo, “Pássaros”: “Dois pássaros voaram no céu mas o pássaro de alumínio subiu mais alto e foi mais longe, porque ele era mais forte - era de alumínio era de ferro e era de aço. Um dia o pássaro que não era de alumínio virou luz e voou então mais alto e voou então mais longe porque ele era mais forte do que o pássaro de alumínio, - não era de alumínio não era de ferro e nem era de aço”. Isto é poesia! E os temas? Pode haver algo mais oportuno, nos dias que correm, do que esta “Ladainha da Fome”?: “Com a mão firme com a caneta de tinta preta seca porosa em letra de forma atestou causa mortis: fome. Foi por isso repreendido (mas continuou a atestar causa mortis: fome causa mortis: fome causa mortis: fome). (Com a mão firme com a caneta de tinta preta seca porosa em letra de forma causa mortis: fome). Foi por isso demitido da Secretaria Municipal de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Ministério Federal de Saúde causa mortis: fome com a mão firme com a caneta de tinta preta seca porosa em letra de forma causa mortis: fome. Ave Maria cheia de graça causa mortis: fome causa mortis: fome”. Paulo Mendes Campos escreveu, numa de suas últimas crônicas, que “o poeta não se serve das palavras, é seu servidor”. Assim é este mágico que retém em versos um pôr-do-sol, eterniza instantes fugazes, transformados em jóias, colhe lírios da mais imaculada brancura mesmo nos pântanos mais lodosos e assustadores das paixões e dos sentimentos do bicho homem. Pela Vidraça é um livro imperdível para os amantes da poesia. E quem não é? (Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 95 e 99, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo). Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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