O emprego das Forças Armadas no controle da crise carcerária é um ato extremo e exige muito cuidado. O problema não se resolve com a simples substituição da polícia estadual e dos agentes penitenciários pelas tropas que – não podemos ignorar – são preparadas para a guerra e portam armamento pesado. Não é o tipo de recurso adequado para conter o grupo de encarcerados, portanto já subjugados e mantidos em área delimitada, que não têm reféns, não ameaçam as autoridades e apenas se digladiam pelo poder entre si e pelas atividades criminosas que a fraqueza do Estado os ensejou constituir e administrar de dentro do cárcere. O uso da tropa só se justificaria se os rebelados estivessem soltos ou amotinados ao estilo de guerrilha e tivessem de ser capturados. Se fosse para invadir o presídio, a polícia o faria e sofreria as conseqüências. Desde o fatídico acontecimento do Carandiru, em 1992, os governos e suas polícias têm sido cautelosos na invasão de presídios amotinados, pois sabem que as mortes são inevitáveis, os detentos de facções rivais se matam e os oportunistas de plantão agem rapidamente para atribuir o resultado à violência policial. Se as tropas federais forem levadas a intervir, certamente, terão o mesmo resultado e sofrerão acusações idênticas, restando seus integrantes marcados para sempre e sujeitos a processos e condenações que se elevam a centenas de anos, como ainda hoje ocorre em São Paulo, mesmo passados 25 anos do acontecimento. Antes de empregar suas tropas, que têm outras importantes missões a cumprir, o Governo Federal deveria oferecer apoio legal, financeiro e logístico para que os estados, verdadeiros titulares da segurança pública, desempenhem a missão. Melhor do que botar a mão diretamente na massa, seria apoiar os governadores e cobrar resultados, sem esquecer que o Poder Judiciário também é partícipe do problema e que o Legislativo não pode ficar alheio porque existem medidas que dependem da aprovação de novas leis. A crise do sistema penal é o resultado de décadas de omissões, desmandos e até corrupções. Agindo isoladamente, os poderes negligenciaram ao não modernizar a legislação penal, não criar as vagas suficientes para recolher os apenados e ao condenar à prisão quando poderiam recorrer a penas não restritiva da liberdade. Foi esse estado de coisas que criou o caldo de onde resultaram as facções que dominam as prisões e do seu interior comandam o tráfico de drogas e armas e outras ações do crime organizado. Tudo isso é produto do meio. Nesses primeiros dias do ano já morreram 119 detentos. Mais do que os 111 do Carandiru. Como não houve confronto com a polícia, ainda não se fala em massacre ou violência policial. Mas se, eventualmente, as Forças Armadas forem levadas a intervir, sem qualquer dúvida, seus integrantes também encontrarão o seu “Carandiru”, serão condenados na justiça por massacre, e o problema não se resolverá... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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