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Crônicas
24/02/2017 - 06h18
Olhando retratos antigos
Rangel Alves da Costa
 

Toda vez que olho um retrato antigo de feição enraizada na alma, é como se voltasse no tempo e somente assim poder ter aquela ausência tão sentida. Toda vez que meus olhos encontram os olhares de ontem, com seus silêncios e suas palavras mudas, é como se pudesse avistar a chegada e o encontro, o abraço e o diálogo de vida. Toda vez que avisto retratos em paredes é como se as portas estivessem novamente se abrindo para que venham me visitar.

Não somente nas paredes, mas em qualquer lugar onde eu possa encontrar os meus - e até eu - noutros instantes da existência. Olho ainda no olhar de minha mãe e sinto o quanto se compraz em reencontrar a feição do filho. Olho ainda no olhar de meu pai e sinto o brilho vivo que muito quer me dizer. E diz, pois os retratos falam, os retratos sorriem, os retratos entristecem. Os retratos de minha mãe e de meu pai sempre parecem mais tristes quando diante deles chego carregando tristezas.

Minha mãe sorri pra mim quando avista minha felicidade. Meu pai sorri para mim quando encontra contentamento no meu olhar. E sempre há um diálogo silencioso entre nós. Ouço a voz de minha mãe, ouço a voz de meu pai. A eles tudo confesso num breve instante. Não lhes escondo as tristezas nem as alegrias. Sei que de minhas tristezas e de minhas alegrias é que dependem as tristezas e as alegrias daquelas feições retratadas em toda vivacidade. Juro por Deus que os retratos também chorariam se me vissem chorando. Filho meu, filho meu, por que choras assim?

Muita gente não se importa mesmo com os retratos antigos. Estejam nas paredes da casa, por cima dos móveis em porta-retratos, escondidos e esquecidos nos velhos e amarelados álbuns, dentre as gavetas e noutros lugares, tanto faz que passem e avistem ou não. Parece que nenhuma recordação transforma as indiferenças da mente e do coração.

Outros, contudo, buscam nas velhas fotografias, sejam em preto e branco indefinidos ou descoloridas pelo tempo, o reencontro e até o reviver com a pessoa retratada. Ali o avô, o bisavô, o pai, a avó, a irmã, a mãe, o irmão, a parente, o amigo ou o apenas conhecido, em feições que fazem voltar ao passado. Tem gente que apenas se enternece, tem gente que se aflige, tem gente que sofre e que chora.

Os retratos representam a fixação de um momento para a posteridade. Toda vez que um retrato é retido pela lente, acaso não seja rasgado depois ou simplesmente apagado, sobreviverá muito além da pessoa retratada e do fotógrafo. Assim por que os retratos não se submetem aos acasos ou desvãos da vida senão pela força do tempo. Quando preservados, podem possuir a idade de séculos. Embaçados, amarelados, mas ainda contando histórias de pessoas e vidas.

Alguém já disse, e com razão, que os retratos passam a ter as idades que as pessoas tanto desejariam ter. Quantas vezes as infâncias são novamente desejadas apenas pelo fato de as pessoas se avistarem como crianças brincando em parques, correndo atrás de uma bola ou penteando uma boneca de pano? Quantas vezes as raízes familiares - principalmente pai, mãe e irmãos - são novamente desejadas como presenças perante uma simples fotografia amarelada que jaz pendurada numa parede?

Quando os velhos álbuns são abertos e diante do olhar, folha a folha, vão surgindo aquelas imagens antigas, sempre surpreendentes e maravilhosas, dificilmente que as sensibilidades e as saudades não chamem aos olhos um tiquinho de molhação. Quando as gavetas são remexidas ou cadernos velhos são reabertos e de repente surge uma fotografia de pessoas tão íntimas ao coração, em instantes assim não há quem não se comova, quem não se sinta diante daquele passado retratado.

Os olhos reconhecem as pessoas e o coração estende sua mão em carinho, em afeto, em saudade. Então a pessoa diz, no silêncio mais gritante da alma: como minha mãe era bonita, que olhar tão meigo e encantador, como meu pai possuía uma beleza que jamais tive tempo de confessar ao seu lado, como meu sorriso era bonitinho e como era engraçada essa roupinha de vestir aos domingos. Palavras assim vão surgindo como inevitáveis. Palavras assim representam o reencontro e o amor ao passado e ao que está representado nas fotografias.

Quem não se lembra daqueles velhos binóculos, onde a fotografia somente era avistada quando a pessoa trazia para pertinho dos olhos aquele quadradinho de plástico? Quem não se lembra das velhas fotografias em preto e branco, mais comumente chamadas 3X4, tão imprescindíveis aos documentos? Quem não se lembra dos retratistas de feira e suas cabines com cortinas floridas e máquinas de tripé para fotografar? O mesmo paletó usado por todos para fotografar. Quanto foi? Dois contos.

Dois contos apenas. E a eternidade.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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