A vida de um governante brasileiro sinceramente determinado a melhorar seu país (ou seu Estado, ou sua cidade) segue um curso até agora previsível. Uma história natural, para usar a expressão que o grande filósofo da ciência, Francis Bacon, consagrou no século 17. Esta história abrange três fases. A primeira fase, pontilhada por expressões do tipo "é uma barbaridade", é a da indignação. É uma barbaridade faltarem coisas tão básicas para o povo. É uma barbaridade o que se rouba. É uma barbaridade essa fila. A isto o governante, em geral recém-empossado no cargo, reage de imediato: afinal, ele (ela) tem o poder nas mãos. É só exercê-lo. Isso é o que ele (ela) acha. Porque aí vem a segunda fase, que é a da perplexidade. Para sua surpresa, para sua consternação, para sua indignação, para seu horror, o governante descobre que não é bem assim. Existem certas disposições legais que... Existem certos acordos políticos que... Existem certos interesses poderosos que... Disposições legais, acordos políticos e interesses poderosos se configuram como muralha impossível de ultrapassar. Vem então a terceira fase, cujos característicos variarão. Em alguns casos é a fase da inconformidade e até da revolta; uma revolta que pode inclusive culminar com a demissão (mas isto, convenhamos, é raro). Em outros casos, é a fase da resignada (ou sábia; o qualificativo vocês escolhem) insistência: se não dá para fazer desse jeito, vamos ver de que jeito pode ser feito. Às vezes é a fase do conformismo: paciência, a vida é assim mesmo. E pode ser também a fase do relaxa-e-goza: já que não dá pra mudar as coisas, vamos desfrutar delas. E aí dê-lhe mordomia. Todas estas coisas servirão para municiar a oposição. Que, do palanque, ganhará as eleições. Novos governantes, um novo ciclo. A história, natural ou não, se repete. Recentemente participei de um debate com Zuenir Ventura, no qual o grande jornalista expressava sua decepção com o governo Lula. Pergunta: em que fase se encontra a atual administração? Ela não muda as coisas porque não quer mudar, porque não pode mudar - ou está seguindo uma estratégia tipo um passo atrás, dois à frente? O futuro, e não se trata de um futuro longínquo, dirá. Mas uma coisa pode-se afirmar: não há por que perder a esperança. O ciclo antes descrito é em realidade uma espiral. Vamos trocando de patamar; as pessoas mostram-se mais informadas, mais motivadas, mais dispostas a mudar. O peso de um passado reacionário e corrupto tenta puxá-las para baixo, mas, apesar disso, o Brasil sobe. Como veterano brasileiro, não tenho dúvida em afirmar: chegaremos lá.
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