Sim, o mundo estava há milênios da invenção da penicilina. O sujeito nascia e já tinha tudo pra cair duro, mortinho da silva, tamanha era a falta de recursos na saúde e na ciência. No entanto, a “morte morrida” custava demais a chegar. E isso é a Bíblia que atesta. Vamos a uma breve relação de patriarcas longevos do Antigo Testamento e a idade em que respectivamente bateram a caçuleta: Adão, 930; Seth, 912; Enos, 905; Cainan, 910; Mahalalel, 895; Jarede, 962; Enoque, 365; Lameque, 777; Noé, 950; Sem, 600; Arpachade, 438; Selá, 433; Éber, 464; Pelegue, 239; Reú, também 239; Serugue, 230; Naor, só 148 – deve ter morrido na creche ou no balão pula–pula; Terá, 205; Abraão, 175; Isaque, 180. Por fim o campeoníssimo Matusalém, que, sem grandes cuidados com a carcaça, chegou à impressionante marca de 969 aninhos. Fica claro que o modus vivendi pré–diluviano, por mais que se julgue hoje primitivo, era muito mais saudável e contribuía para a longevidade. Não é nem questão de deduzir. É fato, a menos que não se leve a sério a Palavra Sagrada ou que se prove que o tempo passava mais rápido naquela época. A comunidade científica estufa o peito e convoca a imprensa para apregoar, orgulhosa, que o homem em breve (e esse em breve não raro significa daqui a uns 50 anos) alcançará 120 como expectativa média de vida. Belo chabu. Com essa idade Matusalém era um feto e o respeitável Mahalalel ainda enchia as fraldas no berço. O bicho homem do século 21, com toda a sua expertise em descobrir geringonças e fármacos que o possibilitem viver mais e melhor, nem arranha os recordes etários desses heróis do Gênesis. É ainda uma incógnita a razão por que, naquele mundo ainda intocado de meu Deus, a decrepitude e a morte custavam tanto a chegar. Uma explicação talvez seja porque a carne dos bois, porcos, ovelhas, bodes, cabras, aves e assemelhados de antanho estivessem a salvo dos conservantes, dos ácidos cancerígenos e demais porcariadas que disfarçam a podridão da carne vencida que comemos – produzida, empacotada com carimbos sanitários fraudulentos e exportada mundo afora pelos nossos grandes, assépticos e incorruptíveis frigoríficos. O bom e velho Cainan conhecia seus bichos de abate e sabia muito bem o que botava em sua mesa. Ele e seus centenários amigos eram os caras.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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