Todos sabemos que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Tais desigualdades, tanto geográficas quanto sociais, travam o desenvolvimento. Sem superá-las, o tecido social se arrisca a romper e, igualmente, ficam faltando condições essenciais ao desenvolvimento. Sabemos também que, no mundo de hoje, a expressão sociedade do conhecimento não é figura de retórica, mas uma realidade. Os países cuja população tem baixo nível médio de escolaridade ficarão para trás, relegados às tarefas mais simples da redivisão internacional do trabalho ou a virar um "buraco negro" das sociedades em rede, no sentido astronômico do termo. Todos sabemos ainda que a educação tem um papel econômico, social e político muito importante, inclusive ao criar e distribuir renda, conforme numerosas evidências de pesquisas. Esta é, portanto, a hora da coerência: dizer sim ou não às diferenças que marcam o Brasil ou, seria melhor dizer, os múltiplos Brasis. Está em pauta o Fundeb, fundo destinado a financiar a educação básica como um todo. Cabe a ele suceder ao atual Fundef, que foi instituído, pelo período de dez anos, por emenda constitucional de 1996. Portanto, o tempo vai se esgotando. Foi criada há quase uma década uma nova sistemática de financiamento do ensino fundamental, que hoje se deseja estender a toda a educação básica, incluindo a educação infantil e o ensino médio. Os resultados do Fundef foram tão bons que ele foi premiado pela UNESCO no ano 2000. De nove anos para cá Estados e municípios ajustaram-se com sucesso apreciável, tanto que se deseja estender a experiência ao restante da educação básica. Não podemos, assim, retornar à situação anterior. É preciso discutir e aprovar uma emenda constitucional que leve a aperfeiçoar o financiamento da educação. Depois disso, será necessário aprovar uma ou mais leis para regulamentar a emenda, a fim de colocá-la em prática antes que finde o prazo e não se gere um vácuo constitucional e legal. O tempo passa com rapidez. O Fundeb tem um profundo significado: o de financiar todos os níveis da educação básica, com participação federal maior, a fim de reduzir gradativamente as disparidades entre Estados e municípios, bem como entre grupos sociais. O MEC já enviou o seu Anteprojeto. Nele requer a devolução daquilo que foi retirado da educação em 1994, em favor do chamado Fundo Social de Emergência. O papel da União é, assim, fundamental para transferir recursos e cobrar resultados aos entes federativos, segundo critérios de alocação de recursos por aluno e por diferentes situações que já se provaram eficazes no Brasil e em outros países. É fundamental que haja um aumento da quantidade de recursos por aluno e não que o bolo e cada fatia sejam menores. Dizer sim ou não a esse Anteprojeto é o mesmo que fazer um teste se o Brasil quer ou não uma educação de qualidade que ajude o país, por um lado, a superar suas desigualdades sociais e econômicas e, por outro, responder com visão estadista aos compromissos internacionais estabelecidos em várias oportunidades e sintetizados nas metas do Milênio. É dar provas de que o Brasil quer ser um país menos injusto, onde as crianças e os adolescentes recebam uma educação básica de qualidade razoavelmente equivalente, independente do lugar e da família de nascimento. Esta conquista tem raízes nas Revoluções Francesa e Americana, nos séculos XVIII e XVII. No limiar do século XXI o custo de ficar para trás é consideravelmente maior. Desse modo, é preciso passar da teoria à prática, do discurso à realidade, das boas intenções à sua concretização. Por isso mesmo, o Brasil vive um momento decisivo, como todos os momentos de encruzilhada. Estes implicam graves opções que comprometem ou salvam os destinos de um país. É nossa firme confiança que, em vez de um vácuo, tenhamos o avanço das experiências brasileiras de financiar a educação. Se, em 1996, o Brasil teve a coragem de mostrar ao mundo que fazia uma pequena reforma tributária para assegurar o ensino fundamental, por que não poderá fazê-lo agora, em melhores condições, para oferecer educação básica de qualidade para todos? Esta é a hora do divisor de águas, de cruzar a fronteira do futuro a partir do presente. Nota do Editor: Jorge Werthein é Doutor em Educação pela Universidade de Stanford (EUA) e Representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.
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