“Bonita gravata” diz Lula para Moro, que responde “a sua também é linda”, na charge do Iotti ironizando a linguagem civilizada entre o político e o juiz no interrogatório do primeiro, enquanto os fãs de ambos se digladiam nas redes sociais. Moro afirmou que não tem questões pessoais em relação ao ex-presidente e que julgará de acordo com as provas e com a lei. Ele não poderia se manifestar de outra forma, pois caso contrário teria de se declarar impedido de julgar. Qualquer que seja a decisão de Moro, sempre caberá recurso às instâncias superiores, e será nelas que se garantirá – ou não – o princípio da imparcialidade do julgador, que é a base do sistema jurídico. Pois o caso do Gilmar Mendes, no STF, não se declarar impedido para julgar Eike Batista, mesmo com sua esposa trabalhando no escritório dos advogados daquele, é um episódio emblemático, que coloca em xeque o nosso sistema. Quem de nós não seria afetado pelo trabalho do cônjuge num mesmo caso? Quem poderia afirmar, em sã consciência, que tanto faz que sua esposa/marido trabalhe no local que defende uma pessoa que nós tivéssemos que julgar? Que ser humano teria sua imparcialidade colocada acima de vínculos afetivos conjugais? Em tese, o julgador é capaz de decidir, de acordo com sua consciência, se os fatos objetivos (no caso, o trabalho da esposa) o influenciam subjetivamente. Não se espere de Gilmar Mendes essa autocrítica, que seria legítimo esperar de outros magistrados. Mas nada impede que, não tendo ele admitido a própria suspeição, outros a apontem. A Procuradoria Geral da República pediu a suspeição de Gilmar e, por mais constrangedor que seja para seus pares julgá-lo, levar isso a sério é fundamental para a seriedade do nosso sistema de Justiça. “À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”, já diz um dito célebre, que se aplica perfeitamente a Gilmar Mendes e à sua esposa. Se nosso país, nossas instituições, aceitarem passivamente a falta de autocrítica de Gilmar como suficiente para que ele seja considerado sempre imparcial, estaremos na prática renunciando a critérios básicos para a nossa própria credibilidade nas instituições. Claro que esse não é o único caso, nem o único ministro, podíamos falar também do Toffoli que foi advogado do PT não se declarando impedido de julgar processos que dizem respeito diretamente ao partido. O princípio é o mesmo. A bola da vez, agora, é saber se as instituições vão deixar por isso mesmo e dar “carta branca” ao Gilmar, que aliás tem sido o maior inimigo da Lava Jato no STF. Nota do Editor: Montserrat Martins, colunista do Portal EcoDebate, é médico psiquiatra, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e ex-presidente do IGS – Instituto Gaúcho da Sustentabilidade. Fonte: Portal EcoDebate (www.ecodebate.com.br)
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