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Crônicas
31/05/2017 - 07h56
Que fazer do nosso afeto?
Henrique Fendrich
 

Foi o caso que nós não nos víamos há muito tempo, anos até, e de repente coincidiu de estarmos os dois na mesma cidade outra vez. Combinamos de nos ver em um sábado, mas vocês sabem como é o sábado, é o dia que as pessoas tiram para resolver aquilo que não tiveram tempo durante a semana. Acabou que eu tinha uns compromissos daqui, ela tinha outros compromissos de lá, e a gente achou melhor adiar para o sábado seguinte. Pois no sábado seguinte choveu como há muito não chovia, e a gente achou melhor ficar em casa mesmo. No terceiro sábado não choveu, mas a gente tinha até esquecido de que precisava se encontrar. Ah, se vive muita coisa longe um do outro e, se a gente não estiver atento, deixa passar até mesmo os momentos de afeto. Foi só no quarto sábado que as agendas coincidiram, São Pedro fez a sua parte e nós não nos esquecemos de ir.

E pensar que já houve tempo em que nos víamos todos os dias! É, inclusive, em memória desses dias, tão doces e delicados para nós, que nós continuamos a conversar, mesmo à distância, mesmo quando já não havia entre nós a mesma quantidade de assuntos em comum. Éramos ainda adolescentes, pouco mais do que isso, mas naquele dia, em que tudo conspirou a favor e nós finalmente voltamos a nos encontrar, eu tinha diante de mim a mulher, com os traços e as preocupações da mulher. É isso que o tempo faz com as pessoas, mas não estou certo de que, ao olhar para mim, ela conseguisse ver o homem.

É engraçado que, antigamente, a gente conversava sobre todas as coisas, fazia confissões que a nenhum outro seria possível, mas naquele dia em que nos encontramos eu percebi imediatamente que já havia uma barreira entre nós. Será possível que nós, que já tivemos um caso ou quase isso, estaríamos condenados às conveniências sociais? O que sei é que não nos sentíamos à vontade, não como antes, e muitas vezes a conversa morreu, e a gente tentou puxar pela memória um assunto que valesse a pena. Falamos do passado, é claro, revimos o destino de todas as pessoas que conhecíamos, lembramos de certos episódios, e não fizemos muito mais do que isso.

Mas falar do quê, afinal? Eu poderia falar de livros, eu poderia ficar cinco horas só falando de livros, mas ela não teria tanta paciência assim, ela já tem outras preocupações, ela está querendo se casar e precisa pensar em um meio de ganhar dinheiro para construir a sua casa. Todos os seus amigos estão casando ou engravidando, e hoje é com essas pessoas que ela tem assunto para conversar, não com o adolescente que um dia fui e continuei sendo.

Que fazer do nosso afeto? Será que deve ficar restrito às nossas lembranças, será que nunca mais devemos nos encontrar, sob pena de não nos suportarmos mais e ainda estragar a memória daquilo que vivemos juntos? O mais provável é que nos afastemos naturalmente, já não houve mais nenhum encontro depois daquele dia, nenhuma conversa sobre a possibilidade de voltarmos a nos encontrar, e ela já deve ter esquecido aquela ideia maluca de que eu seria um dos seus padrinhos de casamento. Eu daria um padrinho muito chato, a começar pela necessidade de se arrumar uma madrinha. Ah, não sei, não sei de nada. Apenas que alguma coisa aconteceu, e não foi bom.

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