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Opinião
09/10/2017 - 09h05
Transexualidade: uma questão de pele
Martin Portner
 

Vivemos tempos tão ciberfrenéticos que pode acontecer de a vida nos passar despercebida em relação à pele que habitamos. Você já parou para curtir o momento de vestir o seu pijama mais confortável ou de mergulhar nu debaixo de lençóis de fino algodão em ambiente de penumbra? Sentir prazer com a própria pele e não estranhá-la em nenhuma parte do seu extenso território são qualidades inestimáveis. Crianças ou adolescentes que apresentam sintomas do espectro do autismo podem, por exemplo, sentir desconforto com a própria pele. São pessoas sensíveis ao toque e que em boa parte das vezes preferem não cumprimentar pelo aperto de mãos ou pelo abraço. A pele lhes causa desconforto.

E a situação alcança proporções complexas nas pessoas transexuais. A transexualidade, também chamada de disforia de gênero, é a incompatibilidade entre o sexo anatômico de um indivíduo e a sua identidade de gênero. Nestes indivíduos, o desejo de pertencer ao sexo oposto é extremamente forte, o que os leva à procura da terapia hormonal e da cirurgia. Por exemplo, a criança nascida de sexo masculino e que posteriormente descobre que se sente como uma mulher representa o exemplo mais comum. O inverso também é verdadeiro, ou seja, crianças nascidas meninas descobrem mais tarde que sentem que pertencem ao sexo masculino.

A disforia de gênero é um diagnóstico médico com tratamentos comprovados e apoiados pelas principais associações médicas. A Dra. Laura Case, pesquisadora com pós-doutorado no Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa da Universidade da Califórnia, em San Diego, conduziu um experimento em homens transgênero que aguardavam o momento de realizar dupla mastectomia para remover os seios. O experimento era simples: um assistente de pesquisa usava um pequeno pedaço de plástico cônico que estabelecia um toque nas mãos ou na parte superior dos seios. Case realizou o mesmo experimento em oito mulheres não transgênero, nas mesmas localizações, usando o mesmo tempo e técnica. As imagens da atividade cerebral desses voluntários eram registradas com detalhes por máquinas de neuroimagem no laboratório. O estudo foi publicado na Archives of Sexual Behavior no final de 2016 e teve resultados impressionantes: os cérebros dos homens transgênero e das mulheres não-transgênero se comportaram de forma semelhante em relação ao toque nas mãos; contudo, os dois grupos tiveram respostas divergentes do cérebro quando foram tocadas na parte do corpo que um grupo queria manter (as mulheres) e o outro (os homens transgênero) queria remover cirurgicamente. Case acredita que o sentimento subjetivo deste grupo é que a pele que recobre os seios não representa uma parte natural do seu corpo ou que não se encaixa com a imagem que eles têm de seu corpo. Os indivíduos transgênero mostram ansiedade e sinais de alarme. Sentem-se desconfortáveis em relação à pele que habitam.

A observação da sensibilidade da pele de pessoas com autismo e a de pessoas transgênero mostra a importância da pele que nos reveste e o quanto somos felizes com ela sem saber. A chegada de informações provenientes da pele humana no cérebro promove uma atividade entre neurônios somente comparável ao movimento de todos os planetas de uma galáxia. Se mesmo parte desse processamento galáctico chegasse à consciência, não teríamos outra coisa a fazer a não ser sentir a própria pele durante todo o tempo. Mas somos poupados disso; as camadas abaixo do córtex – a parte mais externa do cérebro – são recrutadas para tratar do problema da integração a-minha-pele-e-eu. O resultado é que tudo fica no subconsciente. Mas quando algo compromete essa delicada engrenagem, a pele se distancia da gente e passamos a senti-la como um problema. Sentimos como se estivéssemos vestindo um pijama que nunca foi nosso ou que os lençóis em que mergulhamos saíram de uma secadora que acrescentou espinhos ao algodão.


Nota do Editor: Dr. Martin Portner (www.martinportner.com.br) é médico neurologista, mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness.

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