Se me perguntarem quem sou, só posso dizer que sou algo que não deu certo. Pois quase tudo que vejo parece-me errado, sentado na lanchonete ao lado de um grupo de jovens brasileiros que falam inglês para mostrarem o quanto são chiques. E fico sonhando dentro do copo de uísque nas margens dos cubos de gelo as circunstâncias improváveis onde seremos menos estranhos a nós mesmos. As moças estão todas de cabelos lisos, não se pode mais dizer que uma certa garota tem belos cabelos encaracolados, pois eles estão temporariamente extintos, segundo a moda de Paris, Londres ou Nova York. O espaço aberto do chópim mostra os totens modernos, feitos de metal laminado conforme o novo padrão do design. É tamanho o desejo de parecerem diferentes, que se tornam todos iguais. Mas eu não quero ver arte nenhuma gravada em metal, eu não sou dos metais. Quero apenas o sentimento da beleza possível que um artista traduziria em linhas e rugosidades sobre a placa prateada. Não desejo as estradas lisas que levam ao infinito na vitrine da agência de viagens, mas os abraços possíveis que se podem oferecer mesmo nas vielas estreitas e nuas. Não quero esses grandes condomínios de lojas que oferecem o mundo, onde me atendem pessoas de roupas impecáveis que nunca derrapam no vocabulário nem deixam cair o pacote com os cristais. Prefiro a pequena venda do bairro, destacada no meio do casario, algo coberta de musgos e limbos nos beirais, onde converso com o proprietário ou o aprendiz na linguagem dos seres que ainda sabem tropeçar nas palavras e falar mal do vizinho. Não quero essa gente feliz que sabe tudo sobre todas as coisas, que me fazem sentir tão velho e ignorante. Prefiro os ignorantes, que ainda sabem formular perguntas e iluminar o mundo com novas dúvidas. Não quero festas, onde tenha de espremer-me feito uma laranja para soltar expressões do vocabulário vip. Quero antes o encontro casual, em que se descubra um novo modo de traduzir a alegria que há anos se fechou dentro no meu peito.
|