O declínio das taxas de inflação que vem ocorrendo nos últimos meses representa uma grande e extraordinária oportunidade para o País se livrar de forma definitiva de uma cultura que há décadas vem atrapalhando o livre funcionamento das regras que regem nossa economia. Se no passado a indexação dos preços teve alguma serventia para compensar os efeitos de altas taxas inflacionárias para preservar os preços reais dos produtos, dos serviços, dos salários e dos impostos, hoje tais mecanismos acabam por produzir efeitos contrários, em prejuízo de uma formação de preços baseada exclusivamente nos insumos que compõem os produtos e serviços. Em 1994, quando a inflação já atingia patamares gigantescos, causando dificuldades econômicas quase que intransponíveis, o Plano Real chegou e deu um grande salto com vistas à eliminação total da indexação. Mas não conseguiu atingir esse objetivo plenamente, pois remanescem até hoje incontáveis casos em que preços são automaticamente corrigidos por índices inflacionários, seja por imposição da legislação, seja por imposição dos contratos celebrados. Dessa forma, a inércia inflacionária acaba conduzindo a novas elevações de preços e, com isso, o processo vai se realimentando indefinidamente. A má notícia é que o povo brasileiro infelizmente acostumou-se com a cultura da indexação a ponto de praticamente não sentir seus perversos efeitos, como ocorre em certos males que lentamente acometem pessoas ao longo de suas vidas, como o sedentarismo, o colesterol alto e a obesidade. Mas esses efeitos ruins existem de verdade. É o IGPM capaz de reproduzir em todo o território nacional, com fidedignidade, as variações do mercado de imóveis, a ponto de ter sido “eleito” o índice dos aluguéis? O INCC, que as construtoras utilizam para corrigir as parcelas dos preços de construção de um prédio de apartamentos, reproduz, em cada região, em cada cidade, as reais mudanças nos custos das obras? Por que o IPTU é corrigido anualmente segundo taxas inflacionárias? Se a base de cálculo é o valor do imóvel, o correto não seria apurar convenientemente, todos os anos, segundo o mercado imobiliário, esse valor? E quando os imóveis caem de preço, como aconteceu nos últimos dois ou três anos, por que razão o IPTU não é “corrigido” para baixo? Há também a questão do pagamento de impostos em atraso. A indexação automática proporciona, no caso, uma absurda acomodação dos gestores públicos na cobrança desses débitos, pois, dizem eles “estamos protegidos pela correção monetária”. Ora, se há multas para quem não paga seus impostos em dia e incidência de juros de mora, em geral na base de 12% ao ano, por que então a imposição de correção monetária? Esse conjunto de gravames acaba, muitas vezes, por inviabilizar o próprio pagamento dos débitos e aí vem uma enorme pressão sobre o poder político para criar uma nova e absurda distorção, ou seja, a aprovação de programas de refinanciamento de dívidas tributárias (REFIS), com inúmeras benesses, como perdão das multas, dos juros e da correção monetária e um generoso parcelamento que pode ultrapassar os dez anos. É claro que a eliminação pura e simples da indexação não vai mudar a cabeça dos gestores públicos em relação à cobrança da dívida ativa, mas estes não poderão continuar usando a desculpa de que isso não faz mal porque os débitos estão protegidos pela correção monetária. Ao menos nos financiamentos imobiliários a cargo das instituições financeiras, a indexação foi praticamente eliminada com a cobrança apenas dos juros remuneratórios e seguros, cujas taxas variam de acordo com o programa habitacional empregado, sem, portanto, a incidência de atualização monetária. O ideal é deixar que as variáveis próprias da economia e do mercado ditem as regras de formação dos preços e de suas atualizações, particularmente pela relação entre oferta e demanda por produtos e serviços, sem que mecanismos estranhos, como a indexação automática, exerçam qualquer influência nesse processo. Não é novidade que a presente tendência de queda nos índices inflacionários se deve em grande parte ao processo recessivo que se instalou no País nos últimos três anos, mas é hora de aproveitar o “bônus” da queda do ritmo de elevação dos preços para abolir, de vez, a indexação automática, o que certamente contribuirá para a melhoria do ambiente econômico em que vivemos. Se isso vier a acontecer, é claro que as viúvas da indexação irão reclamar, mas é preciso enfatizar e enaltecer os benefícios que essa medida trará para toda a coletividade e a certeza de que as mudanças nos preços serão decorrentes apenas das variáveis da economia e do mercado sem a intromissão de mecanismos que só servem para realimentar o processo inflacionário. À pergunta de como os preços fixados em contratos poderão ser reajustados, vai a resposta de que tudo deve passar pela livre negociação, de modo a garantir o equilíbrio financeiro de cada avença, mas nunca pela adoção pura e simples de índices inflacionários. Na hipótese de impasses, devem ser utilizados mecanismos de arbitramento, que os próprios contratos podem prever. Evidentemente, qualquer mudança nesse sentido deverá, por uma questão de segurança jurídica, respeitar os contratos já celebrados. Nos serviços públicos concedidos praticamente não há mais indexação automática, mas as agências estatais reguladoras devem ser fortalecidas para praticarem políticas de preços condizentes com os custos efetivos e os objetivos de desenvolvimento do País, vedando-se, por óbvio, a aplicação automática de reajustes por índices representativos da evolução inflacionária. Nota do Editor: José Carlos Polo é economista, especialista em finanças públicas e consultor da Conam - Consultoria em Administração Municipal.
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