Finados é tempo de pensar os mortos imortais, ou seja, aquelas pessoas e outros seres que, de uma forma ou de outra, marcaram a nossa vida, fazem parte da nossa colcha de retalhos. Louvarina, conforme costume das antigas famílias caiçaras, recebeu este nome porque nasceu num dia de louvor no calendário cristão. O seu lugar: uma praia distante da cidade. Por ser de família pobre e numerosa, ela cresceu adorando os vestidos que sua mãe costurava. “Eram lindos os meus vestidinhos de chita. Você precisava ver!”. A primeira roupa chique que teve foi comprada assim que começou trabalhar fazendo limpeza na casa de gente rica. Não demorou a encontrar o primeiro amor, namorar e casar. Os filhos vieram um atrás de outro. Também não demorou a sofrer pelas traições do marido. Suportou todas as dores porque os filhos eram pequenos ainda. “Tive que esperar que crescessem as crianças”. Veio a separação, o desquite... e uma nova fase começou em sua vida: para dar a volta por cima, Louvarina encomendou lindos vestidos. “Olha ali nos cabides. Não são lindos?”. E, como adorava dançar, viveu inesquecíveis momentos frequentando forrós com amigas. A casa onde morava, num bairro da periferia, era resultado da herança de seus pais; o ex-marido causador de tantas angústias, nem deveria ter parte. O sonho dela? Vender a casa e se mudar para a cidade, onde estão as lojas com lindos vestidos. “É cada um mais bonito que o outro!”. Pude perceber, ao longo do tempo, que a sua ideia fixa era possuir um vestido especial. “Eu ainda hei de encontrar o vestido de ramagem mais bonito que tem. Nesse dia, já morando na nova casa, chamarei todos os filhos e netos para almoçar. Depois, juntos, vamos tirar uma fotografia da nossa família para ficar na parede da sala”. Quando estava a um passo de realizar seu sonho, recebeu a notícia que o ex-marido, mancomunado com um dos filhos, colocou uma barreira, impedindo-a de negociar a casa. Se angustiou... se conformou... Junto com o sonho que morreu veio a sua própria morte. Fui velar Louvarina. Me surpreendi ao encontrá-la vestida com um lindo vestido, cujas ramagens dispensaram as flores que sempre emolduram os defuntos. Estava linda. Uma mocinha chorosa, talvez uma de suas netas, percebeu a minha emoção. “Bonito, né? Foi uma afilhada dela quem o comprou. Só estava esperando chegar o seu aniversário para surpreendê-la. Era sonho dela um vestido assim”. Era mesmo, eu sabia. Depois do sepultamento dessa caiçara lutadora, cuja fortaleza eu sempre admirei, fui remoendo sentimentos e pensando na ética que nos ajuda a estudar as condutas e finalidades do homem enquanto indivíduo. Mas não me demorei nisso, pois ainda estava extasiado pelo vestido da Louvarina. Ah! Que vestido!
|