- Pai, de onde vieram as festas juninas? O pai abaixou o jornal, incomodado pelo filho de sete anos interromper sua leitura. - Como assim, moleque? - A origem das festas juninas, pai? Vieram dos Estados Unidos? - Pelo que eu saiba não. Acho que vieram de Portugal. Vem cá, você não aprendeu isso na escola não? O que sua professora anda ensinando? Você já deveria saber disso. - Retrucou o pai, incomodado com o próprio desconhecimento. - A música country veio de Portugal, pai? Existiram cowboys portugueses? - Insistiu o guri, virando a mesa de novo. - A professora disse que as festas juninas vieram de Portugal, e que mudaram no Brasil, com influência da alimentação indígena e africana. - O guri informou o que havia decorado, e embora entendido a princípio, o uso da roupa country nas festas da escola o confundiam. - Onde é que os cowboys entram nessa história, pai? - Nas festas juninas da tua escola não se vestem mais de caipira não? - O pai era desinteressado por qualquer coisa da vida do filho, nem se dera conta de que o menino fora de jeans, jaqueta de couro, fivela e chapéu country para a festa junina, conforme eram as ordens da escola. - Não pai. A gente foi vestido de cowboy, e as meninas de cowgirls. As festas countries não são de origem nos Estados Unidos? Onde é que entram os índios e os africanos nessa história, pai? E os portugueses? Existiram cowboys portugueses? - O menino se mostrava mais confuso. O pai ainda mais confuso com o absurdo de que tomava conhecimento, concluiu: - As festas juninas surgiram nos Estados Unidos, pronto. Agora vai brincar. Me deixa voltar a ler meu jornal. - Pai, bolo de mandioca, cocada, quentão e pé-de-moleque são comidas americanas? O garoto era esperto. Na certa desconfiara da resposta do pai e dissera aquilo para ver se ele caía em contradição. Na escola do guri todos iam às festas juninas vestidos de cowboys, isso era indicação de que as festas eram de origem americana, o pai não podia se contradizer agora. - São, filho. São comidas americanas. Os americanos introduziram as festas juninas no Brasil, por isso vocês se vestem de cowboys, dançam música country e comem esses pratos típicos, comida americana. Agora vou voltar ao meu jornal. Tchau. - Pai, por que é que então não vendem cocada e bolo de mandioca no Mc Donald’s? O pai coçou a cabeça. Mandioca era de origem brasileira, isso ele sabia. Essa mentira toda já estava tomando proporções descomunais e ele temia confundir mais o filho. - A mandioca é indígena. Você não aprendeu na escola que toda a origem do nosso folclore está na união das três raças: brancos, negros e índios? As comidas típicas são de origem indígena. - Ah, entendi. Finalmente, o moleque o deixaria em paz. - A professora bem que falou disso na escola. - E olhou orgulhoso para o pai, pela sua sabedoria. - E ela falou também que a festa em si, era de origem dos brancos. Os brancos, no caso, foram os americanos? - Foram. - Então nós fomos colonizados pelos americanos? Os cowboys dos EUA vieram ao Brasil, nos colonizaram... pai, porque não me ensinaram isso na escola? Estou confuso. Não tem em nenhum livro da escola que o folclore brasileiro teve influência dos EUA. - Os seus livros estão errados. - O pai se enrolava cada vez mais, e a mentira tomando proporções gigantescas. Por que diabos inventaram de pôr roupas country nas festas juninas da escola? Já não bastava o garoto ser bombardeado diariamente pela música americana nas rádios, pelos filmes e desenhos americanos na TV, pela comida americana nas lanchonetes, pela cultura americana como um todo desde que nasceu, e agora a escola, sim, a escola, que deveria preservar o mínimo de individualidade cultural que diferenciava o Brasil e todo o seu passado histórico do resto da América, influenciando até uma festa da escola? Pombas, onde é que a escola estava com a cabeça? Ele só queria ler seu jornal em paz, sossegado, já estava preocupado com o aumento dos juros, com o desemprego, com o Roberto Jefferson, e agora ainda tinha que se preocupar com a lenta destruição do folclore nacional que trazia em seu bojo o passado histórico do seu país? - Moleque, chega de pergunta! Vai deitar! - Mas pai, ainda estou confuso. E deixando o jornal sobre o sofá, foi encaminhando o filho lentamente para a cama, sob protestos do menino, cheio de questionamentos. Deixou-o no quarto e voltou ao jornal, respirou aliviado. Inventara uma mentira monstruosa, desvirtuara a história do Brasil, colonização americana no passado? Não, não foi tão cedo a colonização americana. Continuou a ler, um pequeno peso na consciência por apoiar a escola e ludibriar a lucidez do filho, mas pelo menos aquela história lhe daria bases dali a quatro meses quando o menino chegasse lhe perguntando porque estavam comemorando o Halloween na escola. Nota do Editor: Marcus Knupp Barretto é professor de Língua Portuguesa, escritor e folclorista.
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