Assisti, quase que na íntegra e com a devida atenção, ao discurso/depoimento/espetáculo do deputado (sic) Roberto Jefferson na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. Sei que muitos dos brasileiros que assistiram àquele espetáculo infame apreenderam somente o que se apresentava ali, na superfície, ou seja, as graves denúncias assacadas contra deputados do PL, do PP, ao ex-ministro da casa Civil, José Dirceu, e a alguns dirigentes do PT. Além, é claro, de uma confissão de culpa dele mesmo, Jefferson. Mas uma outra leitura, dentre tantas, é possível. E gostaria de ressaltá-la aqui, pois é por demais educativa e pode nos trazer inestimáveis ensinamentos e aprendizagem. Aquilo foi uma verdadeira aula, digna de ser exibida em escolas (como nas antigas aulas de EMC, a velha e tediosa, do tempo da ditadura, "Educação Moral e Cívica") ou em cursos de formação para a cidadania, pois se constitui no mais cabal e didático exemplo do que é capaz a inteligência de um indivíduo quando a serviço do mal, por assim dizer. Sim, pois Roberto Jefferson demonstrou-nos a todos exatamente isso: o quanto pode ser deletério ao país, e a suas instituições, uma inteligência como a dele, que, de posse de um mandato popular, em vez de colocar-se a serviço do bem público e do país, coloca-se a serviço de interesses privados, intrigas, máfias, maracutaias e conchavos espúrios urdidos nos intestinos da República. A performance de Jefferson no "palco" da comissão foi irretocável, digna dos grandes mestres da retórica, da pantomima e do teatro. Quase todas as frases bem medidas, bem colocadas, bem articuladas, com uma entonação quase perfeita. Os chistes, as expressões faciais, os tiques utilizados nos momentos certos, tudo bem sincopado, o gestual bem marcado, o controle da emoção e da respiração. Tudo, enfim, digno de um grande artista. Aquilo foi um verdadeiro "happening" da ignomínia e do maquiavelismo. Talvez também por isso, mas não exclusivamente por isso, Jefferson, que antes era vaiado e destratado nas ruas, passou a receber aplausos, tapinhas nas costas e outros cumprimentos mais efusivos por onde passa. Na sociedade do espetáculo, um bandido espetacular torna-se herói num piscar de olhos na esteira da sua superexposição na mídia. É preciso que a Nação amadureça e assimile de uma vez essa lição, que já deveríamos ter aprendido há muito tempo atrás, lá com Fernando Collor de Mello, não à toa um aliado de Jefferson: a inteligência quando posta a serviço do mal é vil, enganadora, ardilosa, sedutora, quase hipnótica. Deletéria. Não é exatamente desse tipo de inteligência que o país precisa. Entretanto Jefferson, mesmo sem o saber e sem ser essa a sua intenção, já que o que o move é a "vendeta", a vingança, e o desejo de não naufragar sozinho em sua tragédia (e vexame) pessoal, presta-nos um grande serviço ao expor, além das suas próprias, as "vergonhas" do Congresso: sua negociatas de bastidores, seus "balcões de negócios", sua mediocridade, seus parlamentares toscos, bisonhos, que se vendem ao preço da ocasião. O que Jefferson denomina indevidamente de "mensalão" desconfio ser uma leitura enviezada e capciosa do histórico e universal recurso chamado de "caixa 2" (histórico e universal, sim, pois trata-se de expediente utilizado há muito por todos partidos - todos, sem exceção - gostemos ou não). O "detalhe" é que o "caixa 2" nos partidos, digamos, mais éticos (desculpe o uso impróprio do termo) é utilizado para financiar campanhas do próprio partido e não deveria ser "drenado" ou desviado para contas privadas, para enriquecimento ilícito. O "caixa 2" seria uma espécie de "picaretagem ética" - ética para quem, não saberia dizer. Um exemplo de recurso oriundo de "caixa 2" seria aquele montante aprendido na empresa Lunnus, ligada a Roseana Sarney, à época da sua campanha eleitoral à presidência em 2002. Lembram-se? Custou-lhe a candidatura. Porém, parlamentares de partidos como o de Jefferson, e outros à direita no espectro político, utilizam-se desses recursos do "caixa 2" para comprar servidores públicos e assim azeitar as engrenagens da corrupção nas mais diversas esferas de governo, nos seus "feudos" na "máquina". Ou, pura e simplesmente, utilizam-no para engordar seu patrimônio pessoal. Curiosamente, o PT, apesar de ser o cordeiro imolado da vez, é um dos partidos que menos depende e se utiliza de recursos do chamado "caixa 2", já que contava, até a semana passada, com um poderoso esquema de arrecadação e, portanto, de financiamento, junto aos seus filiados. É o hoje chamado, por seus detratores na oposição, de "dízimo político". Como se sabe, o "dízimo" acaba de cair no TSJ. O PT perde, por enquanto, essa sua fonte legítima (porém, questionável, poder-se-ia dizer) de arrecadação. Decerto que muitos se aproveitarão do momento delicado para simplesmente achincalhar, de modo generalizado, a classe política, os partidos e o Congresso Nacional. É exatamente isso que uma certa linha de pensamento reacionária e golpista deseja. Mas esse, parece-me, não é o caminho correto. Não podemos esquecer que o Congresso é um espelho da sociedade. Lá encontra-se refletida, de modo cristalino, as múltiplas faces da nação. Lá estão refletidos seus vícios e virtudes. "Jeffersons" e "João Paulo Cunhas", "ACMs" e "Mercadantes", "Mãos Santas" e "Pedro Simons". Por essas e outras, torna-se mesmo urgente um debate público sério em torno da reforma política, que, não à toa, há quase uma década, hiberna nos descaminhos do Congresso. Aí, nesse fórum, se discutirá, inclusive, formas mais transparentes de financiamento de campanhas. Torna-se mesmo urgente também uma verdadeira revolução cultural nesse país, através de maciços investimentos em educação. Para que possamos ter mais virtudes que vícios pulsando nas veias da sociedade e, por extensão, do Parlamento, onde estão os "representantes do povo". Para que não tenhamos tanto de que nos envergonhar dos políticos que, afinal, somos nós mesmos que elegemos.
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