Desde que estourou o escândalo do "mensalão" parte da oposição e grande parte da imprensa trataram logo de defender a honra do presidente Lula. Declarações de que o atual presidente não é Collor pipocaram nas bocas de parlamentares tucanos e nas páginas de alguns jornais. Tenho que confessar uma coisa: realmente Lula não é Collor. Explico-me: Collor era um aventureiro de um partido minúsculo que se lançou candidato à presidência da República, numa época em que todos os políticos do chamado "mainstream" estavam desacreditados. Vindo de uma influente família alagoana, Collor caiu em desgraça quando seu irmão fez denúncias de corrupção em seu governo. Brigado com o funcionalismo público, o empresariado paulista e grande parte do Congresso, Collor foi facilmente defenestrado da Presidência. Já Luís Inácio Lula da Silva não é nenhum aventureiro. É o principal líder popular do maior partido de esquerda do país, principal integrante do Foro de São Paulo e tentou se eleger presidente três vezes sem conseguir o seu intento. Finalmente em 2002 foi eleito. Sua eleição causou grande comoção nacional. Quem não se lembra daquela sensação popular de que finalmente o messias havia chegado, que finalmente nosso país deslancharia e tudo iria dar certo para nós? Lula veio de uma família pobre e sempre usou isso para angariar a simpatia popular. Além disso, sua apologia da própria ignorância (com frases no estilo "nunca estudei e virei Presidente") se constitui no perfeito exemplo daquele que Ortega y Gasset chamava de homem-massa. Collor foi afastado da presidência e teve seus direitos políticos cassados por oito anos porque uma CPI encontrou indícios de que Paulo César Farias, o tesouro de sua campanha, estava ganhado dinheiro ilicitamente por meio de tráfico de influência dentro do governo. A ligação de Collor com o esquema de corrupção nunca foi provada nos tribunais, onde ele sempre foi absolvido por falta de provas. PC Farias era uma obscura figura: nunca foi candidato a nada e não era conhecido do grande público antes do escândalo. Em suma, ele era uma figura dos bastidores. Lula, por outro lado, está acossado por denúncias de um sistema de aluguel de deputados cuja origem, segundo Roberto Jefferson, está no ex-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu. Ao contrário de PC Farias, Dirceu é conhecido do grande público. É deputado federal há vários anos, tendo, inclusive, sido eleito com uma excelente votação na última eleição. Desde o início do governo petista tornou-se uma eminência parda e seu gabinete ficava a apenas alguns metros do gabinete presidencial. Para piorar, esse não é o primeiro escândalo em que Dirceu se envolve, pois ano passado uma gravação de vídeo flagrou seu principal assessor à época, Waldomiro Diniz, cobrando propina para financiar campanhas eleitorais do PT. Ano passado o governo barrou a CPI que seria instalada para investigar esse escândalo, mas apenas há poucos dias o Supremo Tribunal Federal decidiu que o presidente do Senado deve indicar os membros dessa CPI, já que o requerimento para a sua criação foi aprovado. Tendo tudo isso em vista, sou obrigado a concordar que realmente Lula não é Collor mas pode ser muito pior. Portanto, não vejo motivos para o absolver previamente de qualquer acusação de ligação com o mensalão. Ainda não existe qualquer prova do envolvimento de Lula com o escândalo. No entanto, também não existem provas contra José Dirceu, fora o testemunho do próprio Roberto Jefferson. No início da CPI do PC também não havia sequer indícios da participação ou até mesmo do conhecimento e conivência de Collor e, no entanto, ninguém o absolveu antes de qualquer investigação. Com esse tipo de comportamento os tucanos e parte da imprensa, não apenas estão dando razão a Lula quando este disse, em mais um acesso de auto-deificação, que ninguém tem mais autoridade moral e ética no país do que ele. Pior do que isso, ao absolver previamente o Presidente, os tucanos e a imprensa estão criando condições para que ele sequer seja objeto de investigação. Ora, que eu saiba todos são inocentes até que se prove o contrário, não que todos são inocentes sem necessidade de investigação. Será que se esqueceram que o próprio Roberto Jefferson afirma ter contado sobre o mensalão para o presidente em janeiro deste ano e que, se isto for verdade, este não mandou apurar nada? Será que esqueceram que prevaricação é crime e que, além da pena específica para o Presidente, que é ser afastado do cargo, também pode resultar em condenação criminal? Nota do Editor: Marcelo Moura Coelho é acadêmico de Direito no UniCeub em Brasília.
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