Pouca gente sabe, mas o grande Fernando Pessoa já fez free-lance para a Coca-Cola nos anos 20, quando da entrada da bebida no mercado português. – E então, senhor Fernando? Já temos o nosso slogan? – Aqui está. “Coca-Cola. Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se”. Que me diz? – Bem... eu entendi o jogo de palavras, muito engenhoso, diga-se. Mas... – Mas? – Eu não gostei da primeira parte da mensagem, a impressão que se tem é que o nosso produto causa uma reação negativa. Senhor Fernando Pessoa, se estivesse em meu lugar, precisando de resultados e vendas, sendo cobrado pela matriz e necessitando consolidar a Coca-Cola no mercado lusitano, iria aprovar uma barbaridade dessas? – Ora pois, que há de errado com o reclame? – Ao usar o termo “estranhar”, o nobre escritor já levanta a lebre que a bebida pode parecer a princípio repulsiva. – Mas só a princípio. A segunda parte do slogan já rebate essa estranheza. – Eu entendi o seu raciocínio. Na sequência, temos o “depois entranha-se”, querendo dizer que, logo em seguida, o refrigerante passa a ser apreciado. Mas, olha, serei sincero: esse “entranha-se” também não me agrada de forma alguma. Entranha me lembra víscera, tripa, o que não combina nem um pouco com a sensação de sabor e refrescância prometidos pela nossa deliciosa Coca-Cola. – Devo entender então que a minha frase foi reprovada por completo? O senhor está fazendo pouco do grande Fernando Pessoa, um gigante à altura de Camões? Um gênio tão inspirado que, não se bastando, teve de criar heterônimos para dar vazão a tudo o que tem a dizer? – Heterônimos? – Sim. Tenho dezenas deles, mas quatro são mais famosos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares. – Entendi. Eu tenho uma sugestão a fazer: por que você não passa a criação do slogan para esses quatro amigos seus? Vai que sai alguma coisa que preste... – O senhor não entendeu coisíssima nenhuma. Os quatro são eu mesmo. Eu os criei, cada qual com um estilo peculiar. – Então! Mais um motivo para passar esse trabalho a eles. Serão quatro estilos diferentes pensando no nosso slogan. Isso é até bom, pois as opções serão provavelmente bem diversificadas. Vocês fazem uma concorrência entre si, e quem fizer o melhor fica com o dinheiro do freela. – Mas todos eles são uma única pessoa. O senhor sabe o que são heterônimos? – Olha, não me interessa se é heterônimo, se é Jerônimo, se é Antônimo, se é Anônimo, o que eu quero é o meu slogan. E que seja único e original, como é a Coca-Cola! – Bem, eu tenho aqui comigo uma segunda opção. Algo assim: “Tudo vale a pena se a Coca não é pequena”. Profundo, hein? – Então, mas aí o senhor valoriza demais os outros tamanhos do refrigerante, e ao mesmo tempo diz que a Coca pequena não presta. E é das pequenas que vendemos mais! Por favor, senhor Pessoa. Admita que as opções não está lá essas coisas e bote novamente essa sua privilegiada cabeça pra funcionar. A sua e a dos seus amigos, esse Jerônimo e tudo mais. Boa sorte, nos falamos na próxima semana.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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