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SEÇÃO
Crônicas
28/03/2018 - 05h42
Mecânica da guerra virtual
Henrique Fendrich
 

Já não há quem se entenda, não há duas pessoas que concordem sobre a mesma coisa. Tudo leva a um profundo e irreversível desentendimento, e não se aceita conviver, não se aceita sequer manter no Facebook, quem pensa de forma tão oposta à nossa. Já não se sabe exatamente o que se quer e nem quais os meios para chegar lá, só se tem uma certeza: não será do jeito que os outros querem. E então tudo o que há são rivais e tudo o que existe é uma arena de combate, e então as distâncias aumentam, os lados se polarizam e qualquer aproximação é impossível.

Em nossos conflitos, não admitiremos neutralidade, ou você está do nosso lado ou está do lado deles, e, nesse caso, merecerá toda a nossa ira, os nossos rótulos, o nosso deboche, a nossa indignação. Nós queremos salvar o mundo, queremos converter o mundo, queremos colocar o mundo debaixo das nossas verdades, pois nós sabemos exatamente como tudo funciona, não temos mais dúvidas, o mundo é muito simples, tudo pode ser explicado por meio das nossas próprias razões, e o mais é ignorância.

A essa combateremos até com linchamento, todo mundo está a um passo do linchamento, ao menos virtual: basta uma frase mal colocada, uma brincadeira fora de hora, e atrairemos sobre nós a fúria da Internet. Primeiro um protesto aqui, depois outro ali, e em pouco tempo surgirá um movimento poderoso, uma onda irresistível que não será contida antes do sacrifício do vilão. A existência de uma pessoa má, de alguém que faz alguma coisa que julgamos inaceitável, é capaz de unir as pessoas, que se sentem então fortalecidas em suas razões.

De repente, grupos que até então rivalizavam começam a se juntar em torno de um inimigo comum. Trata-se de um meio de restabelecer a nossa paz, ainda que ao custo da vida de outra pessoa. Já não basta tornar um inferno a vida virtual do malfeitor, obrigando-o a deixar as redes sociais. É preciso também ir atrás de quem emprega esse sujeito, colocar a sua empresa contra a parede, como é que vocês aceitam que um dos seus funcionários faça esse tipo de coisa? Iremos ameaçar boicotes, criaremos um abaixo-assinado, e só nos daremos por satisfeitos quando a pessoa for demitida. Então nos sentiremos um pouco vingados, mas melhor seria se houvesse a prisão ou a execução, e para ajuntar mais argumentos nós promoveremos uma devassa na vida do sujeito, rastrearemos os seus passos, veremos o que foi que ele já disse em outras ocasiões, e certamente encontraremos muitas coisas para recriminar, muita frase despretensiosa que terá seu significado ampliado, e saberemos então com que tipo de pessoa estamos lidando, e teremos novas razões para defender, em última análise, o seu aniquilamento.

Se não é sempre que as coisas chegam a esse desfecho ideal, isso se deve muito mais à nossa distração, ao surgimento de mais um caso absurdo e condenável, que nos fará esquecer do anterior, e ao qual nos dedicaremos integralmente, na certeza que é nessa depuração dos culpados que nós encontraremos paz e cresceremos aos nossos próprios olhos.

Mas que não nos enganemos: ao nosso menor deslize, toda a turba se voltará contra nós, e seremos nós os sacrificados em nome da paz de todo o grupo. Vigiai, pois não sabeis o dia e tampouco a hora.

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