- Nossa rede de farmácias tem uma oferta irrecusável pelo seu terreno, Sr. Álvaro. - Bom, não tá à venda. Mas dependendo do que você tiver aí na manga, não sou louco de não aceitar... - O senhor sabe que está todo mundo mergulhado até o pescoço nessa crise, e a oferta de imóveis excelentes para vender é enorme. Terrenos semelhantes ao seu, nesse bairro, há pelo menos uns vinte anunciados. - Tá, pode pular essa parte. - Indo direto ao assunto: só fazemos negócio à base de permuta. - Não estou entendendo. O que uma rede farmacêutica vai querer permutar em troca do meu terreno? - Óbvio: remédios. Todos os que o senhor e sua família precisarem. - Oi???? - O senhor já parou para pensar o peso que tem o gasto com medicamentos no seu orçamento doméstico? Basta fazer uma conta por alto, assim de cabeça, e vai se assustar com o resultado. Fica entre 7 e 20% das despesas mensais. Um percentual que vai aumentando conforme a família envelhece. - Maluco isso...e quem da família pode aproveitar essa permuta? - O senhor, sua esposa, seus filhos, netos, genros, noras, sogros, cunhados e parentes até o segundo grau. Do seu ramo familiar e da sua mulher também. E é vitalício, o contrato vale até que todos morram. Mas o terreno tem que vir como doação para a Rede imediatamente, com escritura em cartório, tudo direitinho. - Mas eu posso morrer amanhã! Aí dessa permuta eu não aproveito nada... É cada uma que me aparece! - Veja, com tantos remédios à sua disposição, vai ser difícil o senhor morrer tão cedo. E, se morrer, vai deixar uma bela herança em saúde para a família toda. - Só que o meu terreno vale 2 milhões! - E quanto vale a saúde da sua família? Seu neto, por exemplo, pode vir a precisar de um remédio caríssimo, de uso diário... Será tudo por nossa conta. A única possibilidade do senhor fazer mau negócio é se sua família inteira estiver a bordo de um avião que venha a cair e mate todo mundo. Aí não dá para fazer nada mesmo. - Nossa, seria azar demais. - Só que tem alguns pontos importantes, previstos em contrato, para a permuta não virar bagunça. O senhor pode ter parentes hipocondríacos, e aí vamos ter prejuízo. Outra coisa: hoje em dia farmácia vende de tudo. Tem chocolate, isotônico, recarga de celular, barrinha de cereal, bronzeador, batata frita... Então é bom que fique bem claro que a permuta é para medicamento. E tem que haver uma perícia com um farmacêutico da rede, para saber se o remédio requisitado condiz com o quadro do paciente. - Sei. E cadê o farmacêutico aqui da sua farmácia? - Ahnnnnn.... bem... o que eu quero dizer... Olha, tem que ter a autorização de profissional habilitado. Se não tiver farmacêutico aqui na hora, o gerente liga para a central da rede e a gente envia um para fazer a perícia. Esse ponto precisa ficar bem entendido. - Que prazo eu tenho para dar uma resposta? - Meia hora. A máquina de terraplenagem já está vindo para cá. - Calma aí, queridão. E se eu não quiser fechar negócio? - Sabe aquele outro terreno, atravessando a rua? Já está vendido para nós, caso o senhor não aceite.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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