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Opinião
09/04/2018 - 05h18
As águas de março e os desastres do bem
Marcia C. M. Marques
 

“São as águas de março fechando o verão, é a promessa de vida no teu coração”. Com estes versos, o grande maestro Tom Jobim expressou, de forma simbólica, o valor das águas de março, mês mais chuvoso de grande parte do sul, sudeste e centro-oeste brasileiros, na renovação da vida e do amor. Tom, um grande admirador da natureza e perspicaz observador, nesta canção usou, metaforicamente, elementos possivelmente da região serrana do Rio de Janeiro, para compor uma série de antíteses, tão típicas da natureza real e da natureza humana, que podem ser resumidas na ideia de que os ciclos são importantes para a renovação.

Tom certamente não pensou em nenhuma teoria científica da ecologia quando juntou estes versos, mas eles têm sim um grande significado sobre o funcionamento da natureza. As chuvas torrenciais existem, historicamente, desde que os trópicos são trópicos. As matas, os cerrados e as caatingas dependem da “chuva chovendo”, do “vento ventando” e do “tombo da ribanceira” para lavar e renovar os solos, estimular o brotamento e a florada das plantas e dar chances de novas espécies de plantas e animais ali chegarem. Especialmente em regiões montanhosas, como na Mata Atlântica, as chuvas de março podem causar grandes movimentos de terreno que descem montanha abaixo. A terra exposta pelos deslizamentos é logo colonizada por novas espécies, diferentes das que estavam por lá. Em um estudo realizado pelo grupo de pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR), verificamos que a diversidade de formas de folhas e caules das plantas, exercendo funções também bastante diversas, é muito alta nestas cicatrizes de antigos deslizamentos. Com o tempo, na soma de vários deslizamentos, a diversidade da Mata Atlântica aumenta, resultando neste bioma extremamente diverso e exuberante que todos conhecemos. São desastres do bem e a “promessa de vida” das matas tropicais.

Infelizmente, nem tudo é riqueza nesta história. Quando não há planejamento para a ocupação dos espaços rurais ou urbanos, e as construções de cidades e povoados chegam até as encostas e sopés das montanhas, o resultado pode ser catastrófico: “É o carro enguiçado, é a lama, é a lama”. Vivenciamos, em todos os verões, notícias sobre alagamentos, deslizamentos, soterramentos em boa parte do Brasil, causando tristeza e morte. As chuvas e as montanhas sempre estiveram lá, mas o homem chegou e ocupou o lugar mais propenso a desastres. Não tem como mudar a natureza, mas tem como evitar o embate com ela, planejando a ocupação, removendo populações em situações de risco, promovendo a readequação das vias pluviais em regiões urbanizadas, entre outros. E isso tem que ser feito rapidamente, pois, com as mudanças globais em curso, as chuvas irão aumentar a níveis muito além dos padrões históricos. O homem não vai resistir. As matas diversas das encostas das montanhas também não. “É o fundo do poço, é o fim do caminho”.


Nota do Editor: Márcia C. M. Marques é cientista, ecóloga, professora da Universidade Federal do Paraná e faz parte da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza.

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