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Crônicas
01/05/2018 - 05h14
James Bond é o culpado
José Luiz Boromelo
 

Sessenta dias. Esse foi o tempo transcorrido. Foi aí que começaram os problemas. Passei a ouvir todo tipo de comentário, passando pelo sutil malicioso, decaindo para o maldoso explícito e até por insinuações desqualificadoras. “Vai virar Matusalém”, berrou o esgoelado do outro lado da rua. Um engraçadinho veio com a velha piadinha infame: “Tombou um caminhão ali na esquina. É da Gillete”. E aquele ousado espirituoso, metido a erudito, querendo se aparecer diante dos transeuntes: “Abraços ao “hermano” Fidel”, uma alusão ao visual do notório desaparecido ex-ditador caribenho. Tudo porque imaginava poder ostentar sem culpa alguma uma barba bem cuidada, ao estilo da utilizada pelo ator escocês Sean Connery. É bem verdade que no início o projeto parecia dar para trás. A começar pela tonalidade, lembrando a coloração do dorso de um filhote de urso panda. Mas depois de um tempo a coisa engrenou de vez, para alívio do já quase sessentão. Agora as manhãs de quartas e sábados são ocupadas por outras atividades, que não o tradicional ritual de rejuvenescimento instantâneo masculino. O barbear matinal havia se tornado um hábito instintivo, por conta da profissão exercida. Até nos dias de folga, o primeiro impulso ao despertar era deslizar o barbeador pelo rosto, antes do café da manhã.

Como não existe perfeição nessa vida, eis que as reações adversas vieram até mesmo do seio familiar. O fogo amigo não deu trégua nem com a promessa de reavaliação sazonal da (até então) inusitada decisão. “Parece um velho de setenta anos”, reagiu a inconformada esposa, diante de minha deliberada indiferença aos insistentes reclames domésticos. Uai, e o que tem de mais (ou de menos) em parecer um septuagenário? Existe algum demérito em aparentar idade maior da que a registrada na carteira de identidade? Espero chegar lá e ir muito além dessa fase da vida, oras. A verdade é que essa celeuma toda, em determinados momentos, me diverte. Procuro acrescentar aos incrédulos de plantão uma pitada de cinismo e ironia, garantindo que o limite será a fivela da cinta. Por conta dessa mudança (ainda que temporária) na aparência, percebi que as pessoas (entre elas alguns amigos e familiares) se preocupam demais com a vida alheia. E sem constrangimento algum, assumem uma postura reacionária a tudo aquilo que se apresente como novidade, ainda que absolutamente nada tenham a ver com a situação. Frequentemente se deixam levar pelo ímpeto de externar opiniões das mais excêntricas possíveis, somente pelo prazer em julgar os outros, deixando de lado a discrição e o respeito pela individualidade de seu semelhante. Nota-se que esse comportamento pode ser visto também em outras situações como o interesse desmedido daquela vizinha linguaruda, que passou a tarde inteira com a janela da cozinha entreaberta, observando o carro zero quilômetro estacionado na garagem (com o respectivo boleto do financiamento no porta-luvas). Ou o cunhado cada vez mais inconveniente, beberrão contumaz desmiolado, endividado até a quinta geração, sem conseguir dissimular a contrariedade diante da enésima negativa em tentar viabilizar mais um providencial empréstimo de emergência.

O grande Sir Thomas Sean Connery é, sem sombra de dúvidas, o culpado por tudo isso. Por mais que tente, jamais conseguirei reproduzir aquele seu olhar enigmático, sua serenidade inquebrantável ante o perigo iminente e as estripulias cinematográficas do eterno agente secreto 007. Mas mantenho o firme propósito de, pelo menos, prosseguir com o intento inicial, o de exibir e manter uma muito bem cuidada barba. Mesmo que meu nome não seja James Bond.


Nota do Editor: José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva (PR).

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