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Opinião
02/05/2018 - 06h49
Os 159 e a milícia no Rio
Newton de Oliveira
 

Foram comemoradas como um gol em Copa do Mundo pelas autoridades que comandam a intervenção na Segurança Pública no Rio de Janeiro a prisão de 159 pessoas e a apreensão de dezenas de fuzis e armas em uma festa na Zona Oeste do Rio, patrocinada pelo maior grupo miliciano em atuação no estado, autointitulado Liga da Justiça.

Desde o início da intervenção federal na segurança do estado, apontamos que, dado a sua origem, o combate as milícias era algo que podia ser realizado sem a necessidade de grandes investimentos orçamentários já que necessitava de um centro único e voz de comando suficientes. Dessa forma, seria possível organizar um conjunto de operações para deter esse fenômeno criminoso que, hoje, se assoma como mais pernicioso que os narcotraficantes varejistas, dada a sua opacidade e seu enraizamento na estrutura do aparelho estatal.

Conforme ensina o sociólogo Michel Misse, a atuação de grupos como as milícias traz para o complexo cenário da já conturbada Segurança Pública carioca elementos até então estranhos, como a obtenção de renda mediante extorsões e a oferta de arbitragem e proteção entre grupos criminosos. O domínio territorial se enraíza com práticas capitalistas através da compra e venda de terrenos, criando uma forma de acumulação através renda da terra, o monopólio da oferta de serviços aos moradores dessas localidades como internet e tevê por assinatura e venda de produtos tais como água mineral e gás de cozinha engarrafado.

Da mesma maneira que o narcotráfico, até por sua origem oriunda do estado, os milicianos alçam voos maiores, estendendo o monopólio aos votos de suas regiões sob controle territorial, inicialmente elegendo alguns dos seus, e posteriormente negociando esse capital político.

Por tudo isso, apontávamos a necessidade de que, na situação concreta do Rio, o combate a milícia deveria ser prioridade estratégica. E um uma primeira aproximação isso se aconteceu. A Policia Civil, no início do mês de abril, cercou uma festa aberta ao público, promovida pela milícia, onde foram apreendidos mais de 20 fuzis e dezenas de pistolas e presas 159 pessoas.

Contudo, olhando de mais perto o resultado dessa operação, vemos nela os mesmos vícios e defeitos, independente dos méritos da ação em si que resultou na morte de quatro seguranças do chefe do bando mortes auto de resistência, mais a apreensão dos armamentos, apesar da fuga do líder miliciano. Denota-se que os interventores estão na mesma toada espasmódica, de ações no campo da segurança pública que já eram praticadas antes da intervenção, com o agravante de que a operação introduziu um novo componente a já tão escassa falta de direitos à população pobre do Rio de Janeiro.

Na prática, ela trouxe consigo, em toda a sua totalidade, o estado de exceção cujo conceito aponta para um fenômeno social muito específico: a suspensão do estado de direito através do direito. Ou seja, a legislação prevê que o indivíduo não pode contar com a legislação para se defender. Isso ficou evidente - o que demostra falha cabal da polícia judiciária nos procedimentos basilares - ao não se individualizar a conduta dos detidos nessa operação. Já se fazem notórias as flagrantes injustiças contra pessoas que foram a um evento pago, e ao serem detidas, não tiveram por parte do Estado a imputação da culpa. Pior ainda, a justiça fluminense coaduna essa atitude e mantém presos preventivamente um conjunto de pessoas sem saber quem efetivamente tem ligação com a milícia ou quem estava em um evento popular para se divertir. Como já há muito acontece nos bailes funks das comunidades, trata-se da criminalização da pobreza.

Assim o que poderia ter sido um golaço em momento de virada nas ações de restauração da segurança no Rio de Janeiro, acabou sendo um gol contra. Certamente, muitos dos 159 encarcerados têm por crime ser pobre, negro e morar na periferia. Assim, essa ação dos interventores, corroborada pelo judiciário fluminense, demonstra o quanto a justiça brasileira pode criminalizar e promover a exclusão. E assim, eles vão se transformando em parte de uma triste página na ladeira abaixo que se transformou a intervenção federal pelo Exército, no Rio de Janeiro.


Nota do Editor: Newton de Oliveira é professor de Direito da Faculdade Mackenzie Rio e ex-subscretário Geral de Segurança.

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