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Crônicas
02/05/2018 - 06h51
Pierina e pouco mais
Henrique Fendrich
 

Um dia eu estudarei a fundo a mecânica quântica, apenas para entender por que é que, ao folhear um livro, eu geralmente bato o olho justamente no que era do meu especial interesse. Não falo apenas nos casos em que procuro um trecho e abro o livro na página exata, mas também naqueles em que não sei o que existe no livro, e de repente, sem esforço, dou de cara com um tema que me interessa. Rubem Braga, por exemplo. De vez em quando eu folheio um livro qualquer e dou de cara com uma citação ao Rubem Braga. É uma lei de atração que certamente nasce do fato de que, nos últimos 15 anos, eu li, reli e treli todos os seus livros, fiz dele o tema da minha monografia, encontrei outros pesquisadores, dei até entrevista sobre ele, e fiz um blog com o seu nome.

Não me espantei nem um pouco, portanto, ao descobrir que, exatamente nos poucos dias em que estive em São Paulo, acontecia uma exposição sobre o Rubem Braga. Fui lá ver, naturalmente, não que eu esperasse descobrir muita novidade, para mim já era bom ver o Rubem Braga sendo visto. E lá estava o Braga repórter, escritor, editor, diplomata, amante das artes, homem da TV e, sobretudo, combatente da FEB. Digo isso porque deram muito destaque à participação dele na Segunda Guerra Mundial. As salas foram revestidas com capas de jornais, e abaixo das manchetes estava a crônica que o Braga enviava direto do front na Itália. Seria bom que, com isso, o “Crônicas da Guerra na Itália” fosse um pouco mais conhecido. É um livro diferente dos outros, mas, ao mesmo tempo, um dos mais bonitos do Braga.

Pude ler também a primeira crônica que ele escreveu, a parnasiana “A Lágrima”. Ainda não era o Braga dos bons tempos, mas já era melhor do que as minhas primeiras crônicas, eu que imitava o Braga. Já a redação que fez na quarta-série, “A batalha das flores”, permitia antever muita coisa que faria parte do seu estilo. Havia ainda muitas entrevistas, fotos, documentos, rascunhos, e outras coisas mais que deixavam a gente feliz por vê-lo tão homenageado.

Tudo isso exposto em São Paulo, onde ele se sentia bem. Congonhas já havia entrado para a sua geografia. Nesta soberba cidade, os seus nervos estalaram, entre emoções e solidões, como vergas de metal do velho viaduto. Dentro dele vibravam, como parte de sua vida, as agitações da ânsia multifária e triste de São Paulo. Era um homem de coração fácil, que logo se afeiçoava a locais, erguia um palco para suas emoções e colocava discretas placas de mármore comemorativas - tudo são coisas que ele escreveu.

E há também, e principalmente, Pierina. Era a amada que, vez ou outra, aparecia em sua crônica no Diário de São Paulo, em 1934, para animá-la e dar-lhe graça. Pierina existiu, e na vida real atendia pelo nome de Pierina. Com ela o Braga se correspondia por meio de sinais e gestos, da janela do seu prédio, um hotelzinho perto da Ladeira da Memória, para a janela do sobrado dela. Às vezes jogava flores, frutas para ela, mas quase nunca acertava o alvo. Um dia, entretanto, conseguiu enviar um aviãozinho com um recado escrito, de uma janela para a outra. Mas não houve nunca um encontro, as coisas ficaram por isso mesmo, e logo o Braga se veria longe de São Paulo.

Penso no Braga, penso nesse amor platônico do Braga em São Paulo, e na eternidade de Pierina - penso, naturalmente, nos meus próprios casos. Ah, faltou, faltou um espacinho, na bela exposição feita para ele, para o amor de Pierina. Que amava o Braga nesse tempo em São Paulo? “Pierina e pouco mais. Pierina e a vida, duas coisas que se confundem hoje, e amanhã se confundirão mais na morte”.

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