Por descuido, acabei adquirindo um lugar de esquina onde construí minha casa e constituí família. Morar em esquina tem vantagens e desvantagens. Acho até que as desvantagens são a maioria. Ali, trabalhando no jardim, já escutei conversas de todas as modalidades, fofocas e assuntos sérios de variados temas (desde religião até romances). Na maioria das vezes são diálogos presenciais; outras são virtuais, por celular. Essa é a razão da denominação: Esquina do Pecado. À noite, ou melhor, na madrugada, quando o silêncio impera, do meu leito é comum escutar murmúrios, risadas discretas e até discussões de vez em quando. São pessoas trocando ideias, precisando fazer uso das drogas para darem sentido à vida, ou, namorados que se aproveitam das sombras das árvores da minha calçada. Dias atrás, fui acordado por uma voz feminina: - Que é isso, cara? Você não consegue? Eu já falei pra você deixar a droga; ela tá acabando com você. Tá vendo? Agora você tá frouxo. Frouxo assim não serve pra nada. Vamos embora, cara. Coitado do parceiro dela. E dela também! Imaginei a cena. Lembrei-me de um texto de Zélia Gattai, sobre um galo (Bersagliere) que eles tinham no sítio, mas que tinha muito medo de galinha. Num belo dia, seu marido (Jorge Amado), inconformado com o galo que não queria cruzar nenhuma galinha, ao ver o caseiro com o tal galo, tentou uma última experiência: - Me dê esse cretino aí. E segure firme a Ceguinha. Meio atabalhoadamente, Bersagliere foi colocado, pelas mãos de seu dono, sobre a pacata galinha: - Seja homem, seu frouxo! - Intimou Jorge. A experiência, como era de se esperar, não deu resultado, mas, em compensação, as gargalhadas foram tantas que valeu a pena. Naquela madrugada, fosse eu embutido com o mesmo espírito do tio Tião Armiro, que poucas vezes foi sério na vida, ou do talento desinibido do Jorge Amado que escreveu lindas histórias, gritaria: - Seja homem, seu frouxo! E em seguida encheria de gargalhadas a Esquina do Pecado.
|