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SEÇÃO
Crônicas
21/06/2018 - 05h56
O trem que passa
Henrique Fendrich
 

O dia acabou, a casa silenciou, e agora consigo escutar os mínimos ruídos do prédio. Vou até além, consigo ouvir o apito do trem que passa a mais de três quilômetros de distância. É uma boa distância, não é perto demais para me acordar durante a noite, mas é o bastante para que o meu ouvido alcance. E não sei o que acontece quando ouço o apito do trem antes de dormir, mas sinto que é algo doce e que faz bem – devo até dormir melhor. De certo me lembra de outros trens, os trens da minha infância, que eu nunca conseguia ver, mas sempre escutava o apito.

Um dia eu tinha 11 anos e recebia a primeira Comunhão. Estava bobo de felicidade e vivi durante uma semana inteira em puro encantamento. E, para comemorar o acontecimento, meu tio resolveu pagar um passeio de trem para toda a família. Iria de uma cidade do interior de Santa Catarina a outra, logo ao lado. Não era uma viagem muito longa, mas era uma viagem de trem, e a paisagem era bonita – é sempre bonita a paisagem vista de um trem no interior.

Depois disso não me lembro de ter voltado a andar de trem, a não ser aqueles de São Paulo, trens urbanos e sem romantismo. Aqui por Curitiba tem muito trem de verdade, daqui sai aquele passeio até Morretes que todo mundo já fez e diz que quem não fez ainda não viveu. Nunca fiz, nunca vivi, só vejo o trem correndo paralelo ao ônibus e acho uma coisa boa. Os motoristas são de outra opinião, sabem que volta e meia a estrada se cruza com a linha do trem, mas que culpa tem o trem, que veio antes? Já fiquei dentro de ônibus parado por mais de cinco minutos esperando o trem terminar de cruzar a linha férrea.

O trem apita, para avisar que está chegando a um cruzamento, e os carros aceleram, todo mundo quer passar antes do trem, e de vez em quando tem um que erra os cálculos, acha que dá para passar e não dá. Aí bradam contra os trens, querem tirar os trens da cidade, entregar toda a cidade aos carros.

Como em tudo o mais, é preciso ver o que as crianças pensam. E as crianças que estão dentro do ônibus e escutam o barulho do trem correm sempre para a janela e olham excitadas para aquela máquina de vagões. “Não consigo ver o último!”, exclamam. Os adultos não dizem muita coisa, mas não resistem e também olham, também não veem o último vagão.

Sempre há alguém – sempre – cujo silêncio só irá se explicar ao final, quando aparecer o derradeiro vagão. Então ele anuncia, triunfalmente, que foram, digamos, 87 vagões. Todos ficamos muito admirados com semelhante quantidade, eventualmente alguém discorda, diz que foram 86 ou 88, mas não importa, nós passamos por uma experiência extraordinária.

E depois que o trem passa e já não se tem mais o que olhar na janela, é de bom tom que apareça um senhor de bigodes esclarecendo a todos que aquele trem provavelmente transportava soja e que seguia ao porto de Paranaguá, aonde deveria chegar mais ou menos às quatro da tarde. Isso deverá entreter as pessoas adultas. As crianças estarão muito ocupadas decidindo que querem ser maquinistas ao crescer e lamentando profundamente que aquele ônibus não tenha apito ou vagões e nem sequer ande em trilhos.

Evidentemente, estou com elas.

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