As duas naves espaciais separaram-se e uma passou alguns dias fora. Na volta, o tripulante desta espaçonave apresentou um relatório. - Como foi? - perguntou o astronauta que havia ficado na nave maior. Este era mais velho, com 63 anos. O outro tinha quarenta. Ambos eram homens voltados quase que com exclusividade para o trabalho, sérios, competentes, compenetrados. O da nave-mãe, que se chamava Abel, tinha ar grave, ouvia o outro e meditava sobre os fatos e analisava as situações. - O planeta é bom - disse Pedro Lima, com o mesmo ar de concentração de Abel. - Podemos vir? - inquiriu Abel. - É um pouco complicado. Ele é bom, mas vai deixar de ser bom em muito pouco tempo. - Como assim? - Os habitantes do planeta estão degradando muito o meio ambiente e a atmosfera. Há uma espécie dominante. - É ela que promove a degradação? - Sim. - O que estão fazendo no planeta? - Há um desmatamento diria que frenético, a população parece ter pressa em desmatar o globo. A água doce vai diminuir drasticamente. Os desertos vão aumentar. A maior reserva de água doce fica na Amazônia, onde o desmatamento é maior. Há uma poluição e assoreamento generalizados dos rios da Terra. E poluição dos mares e oceanos. A temperatura do planeta está aumentando. O efeito estufa você sabe o que é, não sabe? A concentração de gases poluentes na atmosfera funciona como uma redoma de vidro, e deixa passar a radiação solar e prende o calor embaixo da calota. As geleiras dos pólos estão começando a derreter. Os oceanos vão ser inundados e os continentes vão diminuir de tamanho. Finalmente, nós temos o buraco de ozônio. A poluição ocasiona falhas na camada de ozônio, que protege dos raios ultravioletas do sol, danosos à saúde e, se continuar, todos vão morrer de câncer de pele, um dos mais letais. O pior é que vai continuar. Fiz umas projeções e, segundo meus cálculos, dentro de vinte anos as condições de vida no planeta já serão bem precárias e o mal já terá se tornado irreversível. Ou seja, dentro de vinte anos não se poderá mais pensar em consertar tudo o que se fez de errado. A Terra é um planeta condenado. - Quê mais? Mais alguma coisa? - indagou Abel. - Existe o problema da violência. Há muita desigualdade de renda, pelo mundo todo, e isto gera a violência, que torna impossíveis os entendimentos no sentido de promover a paz e resolver os problemas. É a concentração de renda, com poucos indivíduos sendo detentores da maior parte das riquezas e grande quantidade de pessoas pobres. Há muita miséria nesse planeta. E não se pode pensar em acabar com as guerras. A violência tem dois aspectos, da criminalidade, do banditismo, e do estado de beligerância permanente entre as nações. Nesse momento, há guerras entre diversos países, em inúmeras regiões do globo. Alguns países têm armas nucleares e a qualquer momento elas podem ser usadas, uma vez não ser possível resolver de forma pacífica os conflitos. E nem por meio das guerras convencionais. Conforme a quantidade de bombas que forem lançadas, a Terra pode se tornar inabitável por um período de tempo imprevisível, anos e anos, ela vai sofrer modificações extremas devido à radiação. E não se sabe o que vai acontecer. Pode perder-se para sempre. - Vamos para os simuladores - decidiu Abel. No simulador, os extraterrestres propuseram aos terráqueos ajuda para resolver os problemas. Foram reunidos representantes dos países mais poderosos do mundo, justamente os que promoviam a discórdia no planeta, e também das classes dominantes de países menos ricos, mas que igualmente contribuíam para o fenômeno da violência. - Dentro de vinte anos - disse Abel -, pode ser que a Terra ainda ofereça condições de vida, mas estará em curso um processo irreversível de degradação do meio ambiente e da atmosfera, de modo que nos vinte anos seguintes toda a vida tenderá a extinguir-se no planeta e nada mais se poderá fazer para evitar este desenlace. Nós temos que agir é agora. Vocês têm um planeta maravilhoso, mas estão destruindo o planeta maravilhoso e a vida nele é um inferno. Por quê? Só por causa da distribuição injusta de renda, que ocasiona as classes sócio-econômicas e a divisão entre pobres e ricos, tanto no seio das nações quanto nas relações entre os países. Não há outra solução. A única solução é a redistribuição da renda, de forma a não haver mais pobres e ricos, pessoas ou nações. E todos os problemas vão resolver-se automaticamente. É muito fácil resolver os problemas que vocês têm aqui, e o que impede é a forma injusta de distribuir a renda. Os terráqueos, no simulador, votaram e nomearam um porta-voz. - Nós não queremos interferência de fora nos nossos problemas. Não precisamos de ajuda. Vamos continuar a viver como vivemos até hoje e um dia resolver os problemas. - Não vão resolver - disse Abel. - A vida na Terra vai extinguir-se, nos próximos quarenta anos. - A resposta é não - reiterou o porta-voz. Em outro simulador, Abel propôs ao presidente dos Estados Unidos: - Nós temos uma pequena quantidade de bombas na nave. Nossas bombas podem exterminar a maior parte da população humana da Terra sem causar danos ao meio ambiente ou aos outros seres vivos. Podemos trabalhar juntos neste projeto e toda a Terra ficará só para os americanos, com todas as riquezas que ela contém. Não haverá mais motivos para a divisão em classes sócio-econômicas e deve reinar a paz, com conseqüente preservação do planeta, o que nesse momento não está sendo feito. A Terra tem os dias contados. Mas o presidente dos Estados Unidos disse: - Nós precisamos dos outros povos para manter o nível de vida do povo americano. Não queremos mudar nada, e os Estados Unidos têm meios de resolver sozinhos os problemas da Terra. Além do mais vocês são alienígenas e terão que ser presos. Os militares entrarão agora e vocês serão presos... Se este projeto desse resultado a paz se instalaria no mundo e a destruição do planeta cessaria, eliminando, além disso, o risco de guerra nuclear e contaminação por radiação. Abel e Pedro Lima analisaram os resultados da simulação. - Nós não temos armamento suficiente para exterminar a população da Terra - disse Abel, com ar mais grave e preocupado do que antes. - Os Estados Unidos reagiriam e, mesmo que não nos causassem danos, seríamos impedidos de levar avante o projeto. Na hipótese de sobrevivência do povo americano, eles conservariam a Terra para nós até termos condições de vir. - E quando vai ser isto? - indagou Pedro Lima. - Dentro de vinte ou trinta anos. Quem sabe? Eliminaríamos os americanos e ficaríamos com a Terra só para nós. - Acha que não temos tempo para ir ao nosso planeta e voltar? - Mesmo lá no nosso planeta há uma quantidade limitada de bombas - respondeu Abel, franzindo as sobrancelhas com ar sombrio. - Se pudéssemos aguardar trinta anos, teríamos bombas suficientes. E naves para trazer todo o nosso povo. Antes não é possível. E em 30 anos a Terra estará perdida. - Devíamos ter pensado antes em buscar outro planeta. - Nossos cientistas não previram que o nosso sol fosse esfriar tão depressa - disse Abel, desalentado. - Houve um acidente na galáxia. - Vamos continuar a busca pelo universo? - inquiriu Pedro Lima. - Vamos. Há muitos de nós no espaço procurando um planeta habitável. Havemos de achar. Vamos desistir da Terra, mas eu gostaria de conversar com um daqueles humanos e contar a ele que a humanidade escapou por pouco. Talvez ainda sejam vítimas de habitantes de outro planeta que não o nosso. Pode fazer esse favor para mim? - Desembarcar na Terra e contar a verdade a um dos terráqueos...? Eu fui o escolhido. Não sei que critérios foram utilizados pelos extraterrestres para fazer a escolha, mas o fato é que Pedro Lima me procurou e informou que a sobrevivência da humanidade esteve por um fio, por uma questão de quantidade de bombas ou de anos. - Mas vocês ainda correm esse risco - disse ele, antes de voltar para a nave espacial. - Outros povos podem pensar em conquistar a Terra. E é certo que se não houver mudanças os próprios humanos vão tornar impossível a vida nesse planeta. Acordei desse sonho e fiz meu reingresso na atmosfera de pesadelo da vida na Terra e, no meu caso, no Brasil, onde os traficantes de drogas disputam o poder com os ladrões de Brasília.
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