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Crônicas
16/07/2005 - 07h34
Esperança e tragédia
Pedro J. Bondaczuk
 

"A grandeza de um povo pode ser medida pela fraternidade. A coesão nacional, que não deve ser confundida com as manifestações patológicas do nacionalismo extremista, resulta do sentimento de solidariedade da cidadania. Essa solidariedade se expressa na consciência política. Não basta, porém, a consciência da responsabilidade coletiva se não houver a oportunidade da participação de todos na vida do Estado, que é o instrumento comum de ação social".

Estas palavras constam de um discurso, que se destinava a ser histórico, mas que jamais chegou a ser pronunciado, pois a fatalidade não o permitiu. A declaração integra a introdução do pronunciamento que Tancredo de Almeida Neves deveria fazer, em 31 de março de 1985 (há, portanto, vinte anos), quando da sua posse na Presidência da República. O destino, caprichoso, porém, não quis que assim acontecesse.

Na véspera do que se projetava ser uma festa de civismo, do retorno pleno da democracia, após mais de duas décadas de arbítrio, o presidente eleito se sentiu mal, durante uma missa, e foi internado, às pressas, no Hospital de Base de Brasília. Começava, então, um prolongado drama, que culminaria, 21 dias depois, na data em que o País reverencia o martírio de Tiradentes, com a morte do grande líder.

Esse período de tanta angústia e incerteza na vida nacional marca, no entanto, o momento culminante da minha carreira. Fui incumbido, na oportunidade, tão logo ocorreu a internação de Tancredo, pelo editor-chefe do Correio Popular de Campinas (onde então eu trabalhava), o jornalista Edmur Soares, de fazer o "jacaré" desse grande estadista.

Muito estudante deve estar confuso com a citação desse réptil, voraz e feroz, nestas considerações, achando que está fora de contexto. Não está. Explico. Trata-se de uma gíria, utilizada até hoje nas redações (e nunca soube qual a sua origem), para se referir às matérias frias, sobre personalidades que estejam prestes a morrer. Quando a morte, de fato, ocorre, basta apenas redigir o lead, com a data, local, e causa do desfecho fatal, e a edição estará praticamente feita, ganhando-se um tempo enorme em termos industriais, facilitando a chegada do jornal às bancas antes dos concorrentes. O texto já fica composto e diagramado com enorme antecedência, não raro de alguns meses, com espaço para as fotos e para a introdução.

Fiz inúmeros "jacarés", desde então, muitos dos quais nunca foram aproveitados, pelo fato das respectivas personalidades sobreviverem a doenças, acidentes, atentados etc., que as poderiam ter matado, mas não mataram. O de Tancredo Neves, porém, rendeu um caderno especial, de 24 alentadas páginas, em 22 de abril, dia seguinte ao da sua morte, numa edição histórica do Correio Popular. Foram três semanas de intensa pesquisa, telefonemas, consultas a parentes do presidente eleito e noites e mais noites mal-dormidas. Mas valeu a pena, em termos profissionais. A edição ficou primorosa.

O Brasil alternou, nesses dramáticos 21 dias (que chegaram a parecer anos) entre a esperança e a tragédia. Esta última (não é novidade para ninguém) findou por prevalecer. Fatalidade? Destino? Ou seria azar, palavra que deriva do árabe "zahr" e significa "dado"? Como se vê, essa expressão, no original, tem um significado bem diverso do que tem em português, que é "má sorte". Mas o termo original está ligado à idéia de queda. É sinônimo perfeito de "acidente". Foi isso o que o País teve no fatídico 31 de março de 1985 (tinha que ser nessa data!). A História, mais uma vez, foi irônica conosco. Reservou-nos um novo golpe para um mesmo dia (o de 1964 e esse, de 1985).

Especula-se muito, hoje em dia, sobre como seria o Brasil se Tancredo não houvesse morrido e houvesse assumido a Presidência como todos esperavam. Uns acham que estaria pior. Outros entendem que não viveria as crises que protagonizou (e vem protagonizando) nos vinte últimos e sofridos anos que nos separam desse memorável dramalhão.

Racionalmente, é impossível raciocinar em cima do que não acontece. O que poderia ter ocorrido tem que ficar, forçadamente, no terreno das conjecturas, da pura fantasia. Outra ironia histórica foi a data em que o político mineiro morreu: 21 de abril. Muitos dizem (sem que fundamentem isso em provas) que a morte ocorreu dias antes e só foi anunciada nessa data, para coincidir com a do enforcamento de Tiradentes. Apesar da verossimilhança, creio que isso não passa de fantasia conspiratória. Enfim...

Tornou-se antológica uma frase que Tancredo disse, em 13 de janeiro de 1985, quando de sua eleição, no malfadado e felizmente extinto Colégio Eleitoral, para a Presidência. É a seguinte: "Se todos quisermos, dizia-nos há quase 200 anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, poderemos fazer deste País uma grande Nação. Vamos fazê-la".

O repto do Inconfidente, todavia, permanece de pé. O que nos falta, nestes tempos duros e inseguros de "mensalões" e outros quetais, é essa loucura cívica. É esse amor ilimitado pela Pátria. É essa vontade coletiva de fazer a coisa certa. É esse enlouquecimento de esperança que moveu Tiradentes.


Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor.

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