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Crônicas
21/11/2018 - 06h43
História do engraxate
Henrique Fendrich
 

O sujeito caminhava apressado e nem prestou atenção no papel que lhe estenderam na rua. Pegou e já ia seguindo adiante quando ouviu que estavam lhe chamando. Olhou para trás e viu um engraxate. Olhou para o papel e viu uma tabela de preços para engraxar o sapato. “De certo não é para ficar com o papel”, pensou. Retornou então para devolvê-lo.

Mas o engraxate não pegou. Em vez disso, pediu para que ele colocasse o sapato na sua caixa. Ora, até então ele nunca havia usado o serviço de um engraxate e não via razão para passar a usar. Para início de conversa, o sapato que estava usando não era propriamente um sapato. Era, no máximo, com muito esforço, um sapatênis. Ele também não fazia questão de que ficasse brilhando, não tinha nenhum lugar importante para ir. E ele sentia que havia algo de humilhante na posição do homem que se abaixa para lustrar o sapato de outro. Os ricos fazem isso, os ricos acham até natural que alguém esteja sob os seus pés, mas ele não era rico e tampouco se sentia superior a alguém. Por isso tudo, não queria graxa no seu sapato e tentou explicar isso ao homem.

Ah, mas aquele engraxate tinha as manhas, ele sabia como é que se faz para fisgar um cliente. Disse que era só para testar o produto, que o sujeito podia ver se ficava bom e voltar outro dia. Tanto fez, tanto falou que o sujeito acabou aceitando. Intimamente, ele sentia que estava fazendo uma boa ação. “Deixo esse cara mostrar o produto dele, depois dou alguns trocados e sigo adiante”. E começou a remexer nos bolsos, para ver se tinha mesmo trocados consigo.

Entrementes, o engraxate engraxava e tentava puxar assunto. Quis saber onde o cliente morava, e veio a calhar que fosse São José dos Pinhais. Ora, o engraxate já tinha uma opinião bem formada sobre São José dos Pinhais e fez questão de expressá-la: era uma cidade injustiçada. Porque lá tem o aeroporto e todo mundo diz que o aeroporto fica em Curitiba, mas não, o aeroporto de Curitiba fica em São José dos Pinhais. Lembrou também que o autódromo de Curitiba fica em Pinhais (e Pinhais não é São José). E depois descambou para um papo doido a respeito da emancipação dos bairros. Segundo ele, não tarda o dia em que o Cajuru se separará de Curitiba.

O sujeito, o do sapato engraxado, a tudo ouvia e eventualmente intervia, mas era visível que estava constrangido naquela situação. Olhava para os lados e via muita gente passando pela calçada. “O que será que pensam de mim, com um pé erguido, com um homem abaixado diante de mim?”. Não via a hora de que aquilo acabasse, que ele pudesse concluir o seu gesto de caridade e retomasse o seu caminho.

Bem, já disse que era a primeira vez que ele se valia do serviço de um engraxate. Nem reparou que o homem usou tudo do bom e do melhor no sapato dele. Fez serviço completo. Também não tinha como avaliar se o serviço estava bom ou não estava. Devia estar. Terminou um pé, fez o outro, até que, enfim, deu o serviço por concluído. Aliviado, o sujeito deu ao engraxate uma nota de 10 reais e perguntou se ele tinha troco. Na sua cabeça, aquilo devia sair, no máximo, uns cinco reais. Aquele papel com a tabela de preços dizia que alguma coisa era dois reais. Foi quando o engraxate teve que dizer a dura verdade: o serviço todo, como ele tinha feito, custava R$ 18.

Aí o cara teve que reagir. “Eu não tenho R$ 18 não, só tenho R$ 10”. O engraxate sabe que essa história de “só tenho tanto” geralmente é mentira disse que fazia por R$ 15. Mas ele insistiu: “Eu só tenho R$ 10, não sabia que ia custar tanto”. Bem, já que o serviço estava feito, o engraxate aceitou os 10 reais mesmo. Pegou a nota e voltou a insistir que o aeroporto de Curitiba fica em São José dos Pinhais.

De sapato engraxado, o sujeito se afastou. Pôs as mãos no bolso. Não tinha como voltar para casa.

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