Quando a gente menos espera, está cheio de calos. A coisa acontece assim, de uma hora para outra. A gente nasce lisinho, a pele fina, macia e cheirosa. Aí, um dia, a gente olha para o próprio pé e tem um cascão dessa grossura grudado debaixo dele. A gente tenta tirar aquela coisa dali, puxa, cutuca, lixa, deixa de molho em salmoura. Mas não tem jeito. O cascão já faz parte do nosso pé. Mas os calos, ao contrário do que se diz por aí, não fazem mal para a saúde. Muito pelo contrário. O calo nada mais é do que uma proteção da pele humana contra as sucessivas agressões externas. No caso dos pés, os calos surgem porque a gente usa sapatos nos formatos mais esquisitos do mundo. Pontudos, largos, altos, baixos, de tirinhas. Nossos sapatos se parecem com um monte de coisa, menos com um pé. Então, todos os sapatos apertam em algum lugar. Uns apertam no calcanhar, outros no dedão, outros dos lados. E aí o pé, que não é bobo nem nada, cria aquele cascão para se proteger, especialmente se você os usar demais. Você já viu os pés de uma bailarina? Pois é uma coisa realmente horrível, pode acreditar em mim. Mas não é só nos pés que surgem calos. Um cara que escreve muito com caneta ou lápis, por exemplo, tem calos entre os dedos da mão. Já, num cara que ganha a vida digitando, os calos surgem nas pontas dos dedos. Nos boêmios, os calos nascem nos cotovelos, de tanto ficarem encostados no balcão. Num lutador de boxe, os calos nascem na parte da frente da mão, que é o que ele usa para dar murros na cara dos outros lutadores que, por sua vez, também devem ficar lá com seus calos. Nas madres e nessas velhinhas que não saem da igreja, os calos nascem nos joelhos. E nos peões de rodeio... bem, você sabe muito bem onde é que nascem os calos num peão de rodeio. A verdade é que, quando a gente passa dos quarenta, estamos que é um calo só. Já usamos tanto nosso corpo que ele cria uma espécie de casca grossa, quase impenetrável, e fica cada dia mais difícil ser atingido por alguma coisa. A gente vê um desses blockbusters americanos, cheio de efeitos especiais, naves soltando rajadas de raio lazer, explosões arrasando quarteirões inteiros, e o máximo que a gente faz é comer a pipoca um pouco mais rápido. A gente ouve uma música antiga, com a qual a gente chorava toda vez que começava a tocar, e nem sequer levantamos a sobrancelha. Livros que considerávamos verdadeiras obras-primas, quando relidos são tediosos e sem graça. Bem, essa é a parte ruim. A parte boa é que essas coisas todas aí, que estão acontecendo em Brasília, já não nos decepcionam nem revoltam como antigamente. Dá uma certa tristeza, é verdade, ver que tudo se repete como num eterno pesadelo. Mas não dói mais como doía.
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