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Crônicas
17/07/2005 - 16h19
Com que caneta se escreve a História?
Moacyr Scliar - Agência Carta Maior
 

As canetas Montblanc estão em evidência. Na semana passada, comentava-se que o publicitário Marcos Valério, protagonista de um dos maiores escândalos já registrados no Brasil, presenteara deputados com canetas Montblanc. Agora, vejam a coincidência: dias antes, um curioso outdoor apareceu aqui em Porto Alegre, mencionando a famosa caneta. A propósito de um curso que promete introduzir a pessoa em uma carreira promissora, o cartaz mostra uma humilde caneta - uma Bic, evidentemente - com a legenda "Vou ser uma Montblanc".

Não é a primeira vez, na história recente do Brasil, que se tornam símbolo de alguma coisa. À época da ditadura, os encarregados da censura nos jornais ficaram famosos por usar as hidrográficas Pilot; com elas riscavam, nas provas tipográficas, as notícias que não podiam ser divulgadas. A pobre Pilot transformou-se numa espécie de equivalente ao Ford Falcon com o qual a polícia secreta argentina seqüestrava suspeitos, um carro cuja simples visão dava arrepios aos argentinos.

No caso da Montblanc e da Bic, a coisa é mais amena: trata-se de uma distinção social. Não nova, aliás. Canetas, como relógios de pulso, gravatas e outros objetos de desejo, têm um valor simbólico, além do valor real. No passado, gente fina usava a caneta-tinteiro Parker 51, cuja tampa era, dizia-se, folheada a ouro. Foi com certa nostalgia que, tempos atrás comprei no Brique da Redenção uma dessas canetas, que, aliás, não era muito prática, porque usava tinta líquida. Às vezes, a caneta vazava, e alunos com os dedos manchados eram uma constante nas escolas. No caso dos adultos, a pior combinação possível era uma caneta defeituosa no bolso de um terno de linho branco: o vazamento resultava numa mancha visível a quilômetros.

Há qualidade nas marcas famosas, e elas certamente dão status, mas será que isto justifica o custo e a preocupação? Os relógios Breitling são lendários pela precisão e pela beleza, mas o Casio que comprei de um ambulante por R$ 14,00 marca o tempo sem problemas: assinala a hora, a data, desperta, enfim, faz tudo. A Bic escreve perfeitamente, e Machado de Assis poderia ter usado uma delas para produzir qualquer de suas obras imortais (hoje recorreria ao computador). Mais que isto, a Bic contribuiu para a democratização da escrita. É barata, está ao alcance de qualquer escolar. Quando as pessoas emprestam-me uma Bic para autógrafos (estou sempre sem caneta nessas horas), nem se dão ao trabalho de pedi-la de volta: coitado desse cara, pensam, ele precisa da Bic mais do que eu.

Montblanc é um primor de elegância, é a caneta que Luiz XIV usaria. Mas a Bic é o povão, e é o povão que toca o país enquanto os escândalos sucedem-se. Lá está o povão extraindo uma nota num balcão de loja; ou fazendo o dever de casa; ou preparando (em meio a um complicado processo decisório) a lista de compras no super. O povão escreve a História. Com uma caneta Bic, com lápis, com qualquer coisa, mas escreve.

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