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SEÇÃO
Crônicas
18/01/2019 - 07h14
No sertão também é assim
Rangel Alves da Costa
 

O sertão é também um tanto atravessado. Certamente que Euclides da Cunha não se referiu a todo filho da terra quando disse que o sertanejo é antes de tudo um forte.

Ora, tem cabra frouxo que só a moléstia, tem gente preguiçosa que só a gota, tem gente que não tá nem aí pro cantar do galo.

O sol bate na cumeeira, desce por riba da cama, espalha seu fogo por todo lugar, e o cabra não tá nem aí. Vira-se pro outro lado e começa a roncar novamente.

Acorda, levanta, fi da peste preguiçoso. Deixa de moleza, seu fi da preguiça. Levanta, levanta que já tá na hora de jogar milho pros pintos.

Enquanto Zequinha nem espera o dia amanhecer para começar os afazeres do dia, um e outro roncam até perto do meio-dia. E não é de espantar se passar disso.

Zequinha abre as portas do fundo com tudo ainda escurecido. Até o galo reclama: “Esse fiu da peste não espera nem eu levantar pra cantar e vem logo acordando o poleiro todo”.

Mas Zequinha é assim mesmo, tem tino de sertanejo. Levanta na madrugada, acende o fogão de lenha, prepara um café, chama pra si o punhado de farinha seca com um naco de toucinho, e só depois vai abrir a porta da frente.

O dia ainda não vai ser de chuva, entristece um pouco, mas nada a fazer. Remexe num canto e noutro, junta seus instrumentos de trabalho do dia, depois segue em direção à malhada.

Não há muito no curral. Mas tem que deixar o leite pra derramar sobre o cuscuz da meninada. Antes mesmo de retornar do curral e sua Bastiana já está na cozinha.

Todo dia é assim. Levanta logo cedinho, faz suas preces ao pé do oratório, em seguida começa a fazer da cozinha seu lar e do quintal sua sala de visita.

Lava, enxágua, estende no varal. Vai catar feixe de lenha, faz arrumação de graveto, molha o pé de mastruz e de manjericão, joga na malhada um punhado de milho.

Logo as galinhas acorrem esfomeadas. Pouco, mas assim mesmo. Mas enquanto isso ainda muita gente sequer pensa em levantar.

Uma preguiça que engorda, afrouxa e vai secando o prato e o bolso. E depois vai reclamar que a vida tá ruim, que não consegue somar nem vintém.

Nem chega a metade do dia e Zequinha e Bastiana já fizeram mais que uma multidão. Incansáveis, cientes de que somente através do trabalho o pão vai chegar à mesa, então fazem e fazem mais.

Mesmo na dor e no sofrimento, estes abraçam seus dias como se estivessem construindo - a cada dia - o melhor da vida.

E sob o sol, sob o chão quente e esturricado por falta de chuva, o melhor da vida é poder acordar e deitar com a certeza de que o trabalho do dia foi feito e que a barriga dos meninos não está roncando de fome.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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