Aos fins de semana sempre viajo ao sertão. E cada retorno sempre sentindo algo como se saudade fosse sendo acumulada ainda mais. A vontade que dá é sempre permanecer por lá. Os ossos do ofício sempre chamam a outros afazeres que não junto àqueles que mais amo: caminhar, como meu pai fazia, pelas ruas singelas do meu Poço Redondo, pelas suas estradas, pelas malhadas das casinhas de cipó e barro. Como dito, sinto-me sempre mais entristecido toda vez que retorno. E aqui na solidão da capital, em meio ao desencanto da capital, ponho-me então a recordar aquilo que deixei lá nas distâncias sertanejas daquele mundo meu. Quando a noite começa a surgir, exatamente nos instantes em que o sertão parece mais belo, mais reflexivo, mais nostálgico e até melancólico, aquele retrato ressurge com maior nitidez e melancolia. Lá no sertão, noutros idos, pontualmente os sinos da Matriz ecoavam seus brados como a dizer que chegada a hora da Ave Maria, da prece, da oração, dos joelhos dobrados perante oratórios. Um instante em que o candeeiro do sol já se apagou entre as nuvens e os cheiros de cuscuz, de café, de tripa de porco e ovos, perpassam as cozinhas e vão se espalhando pelos ares. Um instante docemente chamado de boca da noite. Sim, a noite vem bela boca aberta dos horizontes, das paisagens, da natureza. O sol vai embora, a lua desponta, a mataria apenas sussurra, as folhagens dançam ao sabor dos sopros dos ventos e ventanias. Da cor vermelho afogueada da boca da noite, a cidade vai sendo tingida por outras cores. As luzes lançam seus amarelos, o negrume se estende e vai alargando seu manto noturno. A lua desce, passeia, toma conta de tudo. Mais tarde as pessoas estarão reunidas em proseados, as vizinhas em suas calçadas, a juventude legislando entre copos na calçada da vereança municipal, os enamorados procurando seus destinos do coração. Até as portas e janelas irem se fechando no chamado dos sonos e sonhos. Tudo assim em Poço Redondo, no meu sertão amado. E eu aqui, apenas eu e a solidão. Mas para lá retornarei e novamente sentirei todos os prazeres e sensações da boca da noite. Ouvirei os sinos bradando, sentirei os cafés cheirando pelas cozinhas, ouvirei as preces junto aos velhos oratórios. Abraçarei a chegada da lua e com ela dormirei de braços dados. Mesmo que nada assim aconteça, certamente acontecerá. Na mente, na vontade, no pensamento. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
|